“Banhava-lhe o corpo a sombra da oiticica” (5°
parágrafo)
No contexto em que está inserida, a frase é equivalente a
Leia o trecho do romance Iracema, de José de Alencar, para
responder à questão.
Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema. Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna, e mais longos que seu
talhe de palmeira. O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado. Mais rápida que a corça selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira
tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal roçando, alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as
primeiras águas. Um dia, ao pino do Sol, ela repousava em um claro da
floresta. Banhava-lhe o corpo a sombra da oiticica, mais fresca do que o orvalho da noite. Os ramos da acácia silvestre
esparziam flores sobre os úmidos cabelos. Escondidos na
folhagem os pássaros ameigavam o canto. Iracema saiu do banho: o aljôfar d’água ainda a roreja,
como à doce mangaba que corou em manhã de chuva. Enquanto repousa, empluma das penas do gará as flechas de
seu arco, e concerta com o sabiá da mata, pousado no galho
próximo, o canto agreste. A graciosa ará, sua companheira e amiga, brinca junto
dela. Às vezes sobe aos ramos da árvore e de lá chama a
virgem pelo nome; outras remexe o uru de palha matizada,
onde traz a selvagem seus perfumes, os alvos fios do crautá,
as agulhas da juçara com que tece a renda, e as tintas de que
matiza o algodão. Rumor suspeito quebra a doce harmonia da sesta. Ergue a virgem os olhos, que o sol não deslumbra; sua vista
perturba-se. Diante dela e todo a contemplá-la está um guerreiro estranho, se é guerreiro e não algum mau espírito da floresta.
Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar; nos
olhos o azul triste das águas profundas. Ignotas armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o corpo. Foi rápido, como o olhar, o gesto de Iracema. A flecha
embebida no arco partiu. Gotas de sangue borbulham na
face do desconhecido. De primeiro ímpeto, a mão lesta caiu sobre a cruz da espada; mas logo sorriu. O moço guerreiro aprendeu na religião
de sua mãe, onde a mulher é símbolo de ternura e amor.
Sofreu mais d’alma que da ferida. O sentimento que ele pôs nos olhos e no rosto, não o sei
eu. Porém a virgem lançou de si o arco e a uiraçaba, e correu
para o guerreiro, sentida da mágoa que causara. A mão que rápida ferira, estancou mais rápida e compassiva o sangue que gotejava. Depois Iracema quebrou a flecha
homicida: deu a haste ao desconhecido, guardando consigo
a ponta farpada.
(Iracema, 2006.)
Gabarito comentado
Tema central da questão: Interpretação de texto – foco em inversão sintática (hipérbato) e análise de sujeito e sentido textual.
O trecho “Banhava-lhe o corpo a sombra da oiticica” é um claro exemplo de hipérbato – figura de linguagem caracterizada pela inversão da ordem direta dos termos na oração. Essa construção, comum em textos literários, visa dar ênfase e estilo, mas exige atenção redobrada do candidato para identificar quem pratica a ação (sujeito), quem a recebe (objeto) e o sentido exato da frase.
Explicação didática: Pela norma-padrão, a ordem direta seria: A sombra da oiticica banhava-lhe o corpo (onde o sujeito é “a sombra da oiticica” e “o corpo”, de Iracema, é o objeto). O “lhe” refere-se a Iracema, indicando que o corpo dela era banhado.
Por que a alternativa B está correta?
B) A sombra da oiticica banhava o corpo de Iracema.
Aqui, a estrutura e o sentido são mantidos fielmente: o agente da ação é a sombra da oiticica, e o corpo de Iracema é o elemento passivo. Respeita-se a concordância e o sentido original do texto. Como destaca Bechara (“Moderna Gramática Portuguesa”), na inversão sintática o núcleo do sujeito não se altera, apenas seu posicionamento.
Análise das alternativas incorretas:
A) Insere “a floresta” indevidamente como sujeito, alterando o sentido – erro de interpretação do hipérbato.
C) Sugere que a floresta banha a sombra, o que é ilógico e incoerente com o texto.
D) “A sombra da oiticica banhava o corpo da floresta” – desloca o objeto, comprometendo o sentido; não há referência ao corpo da floresta.
E) Traz Iracema como sujeito (“Iracema banhava seu corpo…”), mudando completamente a ação descrita, gerando sentido oposto ao original.
Estratégias para futuras questões:
1. Sempre que identificar inversões sintáticas, tente “desfazer” a ordem trocada para facilitar a compreensão.
2. Localize o sujeito real do verbo, independentemente da ordem dos termos.
3. Observe pequenos detalhes lexicais (como pronomes e núcleos nominais) para não trocar personagens ou elementos principais.
Conclusão: Compreender hipérbato, sujeito e sentido literal é essencial para evitar distrações e resolver corretamente questões desse tipo. Alternativa B é a única que mantém o significado original do trecho.
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