Trecho 01
— A senhora me faz saudades de minha terra.
Lembrei-me de minha casa, e das tardes em que passeava
assim por aqueles sítios, com minha mãe e minha irmã.
— O senhor tem mãe e irmã! Como deve ser feliz!
disse Lúcia com sentimento.
— Quem é que não tem uma irmã! respondi-lhe
sorrindo. E minha mãe ainda é muito moça para que eu
tivesse a desgraça de a haver perdido.
— Perdi a minha muito cedo...
ALENCAR, José de. Senhora, São Paulo, FTD, 1991. p. 21-22
Trecho 02
Lúcia saiu um instante e voltou. [...] o fato é que a
aparição já desvanecida surgira de repente aos meus olhos.
— Agora lembro-me! Estou vendo-a como a vi pela
primeira vez!
— Como daquela vez não me verá mais nunca!
— O que lhe falta?
— Falta o que o senhor pensava e não tornará a
pensar! disse ela com a voz pungida por dor íntima!
ALENCAR, José de. Senhora, São Paulo, FTD, 1991. p. 24.
Trecho 03
Quando porém os meus lábios se colaram na tez
de cetim e meu peito estreitou as formas encantadoras que
debuxavam a seda, pareceu-me que o sangue lhe refluía ao
coração. As palpitações eram bruscas e precípites. Estava
lívida e mais branca do que o alvo colarinho do seu roupão.
ALENCAR, José de. Senhora, São Paulo, FTD, 1991. p. 25
Considerando-se os fragmentos destacados do romance
Senhora e considerando-se a totalidade da obra, assinale o
único item cujas afirmações não podem ser comprovadas com
a leitura da obra.
Gabarito comentado
Tema central da questão: O eixo desta questão é a caracterização da personagem principal e a crítica à sociedade presentes no romance Senhora, de José de Alencar. O foco recai especialmente sobre a identidade, transformação social e o papel da mulher no século XIX.
Conceitos literários envolvidos: A obra destaca-se por abordar os temas de dupla identidade, contraste entre essência e aparência, bem como a crítica às convenções sociais. Aurélia/Lúcia representa, nesse contexto, a mulher que desafia padrões tradicionais, revelando uma evolução do perfil feminino ao longo do romance urbano.
Justificativa da alternativa correta (E):
A alternativa E afirma que Lúcia/Aurélia se redime de todos os seus pecados ao voltar a ser uma “moça recatada”, restaurando sua imagem perante a sociedade. Esse desfecho não ocorre na obra. Aurélia, ao final, preserva sua nova postura feminina, marcada por autonomia e crítica às estruturas sociais, sem retorno ao antigo papel submisso. O desfecho é de conciliação no amor, mas não de anulação de sua independência ou de submissão aos papéis tradicionais, como defendem estudiosos como Massaud Moisés (História da Literatura Brasileira) e Alfredo Bosi (História Concisa da Literatura Brasileira).
Ou seja, o modelo teórico da evolução da personagem se contrapõe à visão simplista de redenção tradicional: Aurélia finaliza a trama com dignidade própria e nova consciência de seu valor enquanto mulher, desafiando as normas.
Análise das alternativas incorretas:
A) Correta: Lúcia/Aurélia faz alusão ao seu passado sofrido, justificando sua transformação de identidade.
B) Correta: O trecho mostra a duplicidade e a tensão entre o que a personagem sente e o que transparece.
C) Correta: As reações instintivas de Aurélia desmascaram sua tentativa de se encaixar no novo papel social.
D) Correta: O romance traz contrastes intencionais entre aparência e essência, um recurso típico de Alencar ao retratar a protagonista.
Dica de prova: Observe sempre afirmações categóricas de “redenção tradicional” em finais de obras: muitas vezes, tratam-se de pegadinhas que ignoram a crítica social presente no romance. Atenção à generalização e à troca de valores centrais dos personagens!
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