Leia atentamente o trecho a seguir, retirado do livro O
filho eterno, de Cristovão Tezza, p. 63 e marque A ÚNICA
ALTERNATIVA INCORRETA.
“Escrever: fingir que não está acontecendo nada, e
escrever. Refugiado nesse silêncio, ele voltava à literatura,
à maneira de antigamente. Uma roda de amigos- o
retorno a tribo- e ele lê em voz alta o capítulo quatro do
Ensaio da Paixão, que continua a escrever para esquecer
o resto. Ler em voz alta: um ritual que jamais repetiu na
vida. Naquele momento, ouvir a própria voz e rir de
seus próprios achados, com a plateia exata, é um
bálsamo. E ele escreve de outras coisas, não de seu
filho ou de sua vida- em nenhum momento, ao longo de
mais de vinte anos, a síndrome de Down entrará em
seu texto. Esse é um problema seu, ele repete, não dos
outros, e você terá que resolvê-lo sozinho.”
(TEZZA, Cristovão. Rio de Janeiro: Record, 2009. p.63)
Gabarito comentado
Tema central: Interpretação de Texto e Gêneros Narrativos (autobiografia, autoficção e romance autobiográfico).
Para resolver essa questão, o candidato precisava compreender a diferença entre autobiografia (relato fiel da própria vida, segundo o pacto de verdade, como ensinam Celso Cunha & Lindley Cintra), romance autobiográfico (baseado em fatos reais, mas com liberdade criativa), e autoficção (mistura elementos da realidade e da invenção).
Justificativa da alternativa INCORRETA (B):
A alternativa B afirma: “Cristovão Tezza abandona a ficção para construir uma autobiografia, na qual todos os fatos narrados realmente aconteceram.” Isso está INCORRETO, pois “O Filho Eterno” é reconhecido como um romance autobiográfico, empregando elementos reais, mas sem compromisso com veracidade absoluta. O texto se vale de recursos ficcionais, linguagem trabalhada e distanciamento do relato pessoal puro, como destacado por Evanildo Bechara quando define os limites do texto literário e do texto autobiográfico.
Análise das alternativas CORRETAS:
- A — O uso do narrador em terceira pessoa é estratégia para evitar o sentimentalismo e promover distanciamento, algo frequente em relatos com base autobiográfica, conforme normas da literatura.
- C — Fato reconhecido: o romance foi multi-premiado e já é considerado clássico contemporâneo.
- D — O narrador em terceira pessoa adota, por vezes, a perspectiva íntima do “pai”, aproximando-se da narração em primeira pessoa sem se confundir com ela, caracterizando o estilo focalizado.
- E — O texto apresenta diálogo com outras artes e referências literárias, inclusive às próprias obras do autor, o que pode ser chamado de intertextualidade (Resende & Dias, 2006).
Pontos-chave para acertar esse tipo de questão:
- Leia atentamente as palavras que indicam generalizações ou absolutizações indevidas (“todos os fatos realmente aconteceram”), pois são frequentes em alternativas erradas.
- Entenda a diferença entre relato autobiográfico (compromisso com a verdade) e romance autobiográfico/autoficção (liberdade de criação).
- Observe o modo como o narrador se comporta: se há distanciamento emocional ou envolvimento direto (dica preciosa para reconhecer recursos literários e estilísticos).
Em resumo: a alternativa B está errada porque erra ao afirmar que se trata de uma autobiografia estrita, sem elementos ficcionais.
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