Leia o soneto de Gregório de Matos.

Aos afetos, e lágrimas derramadas na ausência da dama a

quem queria bem

Ardor em firme coração nascido;

Pranto por belos olhos derramado;

Incêndio em mares de água disfarçado;

Rio de neve em fogo convertido:

Tu, que um peito abrasas escondido;

Tu, que em um rosto corres desatado;

Quando fogo, em cristais aprisionado;

Quando cristal, em chamas derretido.

Se és fogo, como passas brandamente,

Se és neve, como queimas com porfia?

Mas ai, que andou Amor em ti prudente!

Pois para temperar a tirania,

Como quis que aqui fosse a neve ardente,

Permitiu parecesse a chama fria.

(MATOS, Gregório de. In: Wisnik, José Miguel [Sel. e org.]. Poemas

escolhidos. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.)

Analise as assertivas a seguir.

I. As contradições, presentes no Barroco, demonstram sentimentos despertados no eu lírico.

II. No fim do poema, os elementos que produzem as imagens opostas são fundidos havendo, assim, uma conciliação dos opostos.

III. O interlocutor a quem o eu lírico se dirige no poema pode ser identificado como a própria dama a quem entregara seus sentimentos amorosos.

IV. Trata-se de um soneto em versos decassílabos com a presença de rimas intercaladas demonstrando a organização dada aos poemas pelos poetas barrocos.

Estão corretas apenas as afirmativas

Gabarito comentado:

Tema central: A questão avalia o conhecimento sobre características do Barroco na literatura brasileira, utilizando análise do soneto de Gregório de Matos. O Barroco se destaca pelo uso de antíteses, paradoxos e organização rigorosa da forma poética – aspectos fundamentais para interpretar corretamente as assertivas apresentadas.

Justificativa da alternativa correta (C – I, II e IV):

Assertiva I: Correta. O Barroco é profundamente marcado por contrastes e contradições, especialmente no plano dos sentimentos do eu lírico. No soneto, metáforas como “fogo em cristais aprisionado” simbolizam este conflito interior, que reflete as principais inquietações barrocas.

Assertiva II: Correta. O final do poema evidencia a conciliação dos opostos (por exemplo, “neve ardente” e “chama fria”), fundamental no Barroco para expressar a fusão de emoções antagônicas. Este é um traço emblemático da escola, representando a síntese entre extremos.

Assertiva IV: Correta. Estrutura formal do soneto: 14 versos decassílabos, rimas intercaladas (ABAB nos quartetos), divisão em quartetos e tercetos. Organizar rigorosamente a forma era uma marca dos poetas barrocos – segundo o manual Literatura Brasileira de Massaud Moisés.

Análise das alternativas incorretas

Assertiva III: Incorreta. O interlocutor do poema não é a dama amada, mas os próprios sentimentos do eu lírico ("aos afetos, e lágrimas derramadas"). Atenção à leitura do título e do próprio texto, pois muitos alunos erram por tentar encaixar uma interpelação direta à amada – algo que o texto não realiza aqui.

Estratégias de interpretação:

• Observe se o eu lírico dirige-se a uma personagem ou a conceitos abstratos.
• Note metáforas e paradoxos para localizar contradições barrocas.
• Repare na organização formal do poema (soneto, rimas, métrica).

Resumo: Correto: I, II e IV (alternativa C). Identifique marcas do Barroco e desconfie de interpretações apressadas sobre interlocutores.

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