“Ainda que miscigenado (fosse a pele retinta,
bem sei que a vida reservaria ainda mais
dificuldades), como homem negro, estudei.” A
frase manter-se-ia com sentido equivalente se,
em vez da palavra grifada, se utilizasse um
vocábulo que lhe fosse sinônimo, tal qual
TEXTO 1
“A política não é lugar pra preto vagabundo feito
você!”
(Douglas Belchior)
Tenho plena consciência de que represento
uma exceção. Ainda que miscigenado (fosse a pele
retinta, bem sei que a vida reservaria ainda mais
dificuldades), como homem negro, estudei. Alcancei
o banco de uma universidade reconhecida, a PUC- SP, onde me formei em História e alcei o
desvalorizado, mas nem por isso menos nobre,
status de professor. Trabalhador da rede pública
estadual de São Paulo, nada convidativo
financeiramente, mas ainda assim, digno.
Conciliar profissão a militância política foi
uma opção consciente – outro privilégio para
poucos. Trabalho, ganho a vida e pago minhas
contas fazendo o que amo: educação, logo, política.
A vida que escolhi me levou a pessoas incríveis:
lideres políticos, intelectuais, atletas e artistas. Me
levou a lugares impensáveis: salas acarpetadas de
governos, viagens para debates, palestras e
atividades políticas das mais diversas em quase
todos os estados brasileiros e até nos EUA. Em
todos esses espaços, tanto em momentos de
conflito com adversários, quanto em momentos de
elaboração e confraternização com os meus da
“esquerda”, uma coisa nunca mudou: sou um
homem negro. E como um negro no país da
democracia racial, sempre soube que o tratamento
gentil e tolerante a mim dispensado sempre esteve
condicionado a que eu soubesse o meu lugar e que
não me atrevesse a sair dele.
Fui candidato a deputado federal nas
eleições de 2014. Alcancei quase 12 mil votos,
alcançando posição de segundo suplente à câmara
federal. Como liderança política do diverso e
confuso movimento negro brasileiro, me dediquei ao
enfrentamento ao racismo, à denúncia do genocídio
negro e à luta por direitos sociais para o povo negro,
sobretudo no que diz respeito à educação e aos
direitos humanos, temas em que atuo com mais
profundidade. Ainda assim, sempre enfrentei
olhares desconfiados, posturas desencorajadoras e
a impressão de eterna dúvida quanto à minha
capacidade política ou profissional. Depois da
candidatura em 2014, essa impressão só aumentou.
E agora finalmente transpareceu, verbalizada, em
uma destas conversas de internet, na última
semana: “A política não é lugar pra preto vagabundo
feito você!”
Um fato é inquestionável: negros não são
tolerados na política, senão como serviçais, cabos eleitorais ou, no máximo, assistentes. No campo da
esquerda isso não muda. E se for mulher é ainda
mais difícil. Só que desta vez consegui reverter o
efeito desestimulante. Diante da cultura racista
dominante na ocupação dos espaços do poder
político, dou aqui a minha resposta: “Vamos
enfrentar, vamos disputar e vamos vencer! Lugar de
preto é onde ele quiser – inclusive na política! "
(http://negrobelchior.cartacapital.com.br/politica-nao-elugar-pra-preto-vagabundo-feito-voce/. Texto adaptado)
TEXTO 1
“A política não é lugar pra preto vagabundo feito você!”
(Douglas Belchior)
Tenho plena consciência de que represento uma exceção. Ainda que miscigenado (fosse a pele retinta, bem sei que a vida reservaria ainda mais dificuldades), como homem negro, estudei. Alcancei o banco de uma universidade reconhecida, a PUC- SP, onde me formei em História e alcei o desvalorizado, mas nem por isso menos nobre, status de professor. Trabalhador da rede pública estadual de São Paulo, nada convidativo financeiramente, mas ainda assim, digno.
Conciliar profissão a militância política foi uma opção consciente – outro privilégio para poucos. Trabalho, ganho a vida e pago minhas contas fazendo o que amo: educação, logo, política. A vida que escolhi me levou a pessoas incríveis: lideres políticos, intelectuais, atletas e artistas. Me levou a lugares impensáveis: salas acarpetadas de governos, viagens para debates, palestras e atividades políticas das mais diversas em quase todos os estados brasileiros e até nos EUA. Em todos esses espaços, tanto em momentos de conflito com adversários, quanto em momentos de elaboração e confraternização com os meus da “esquerda”, uma coisa nunca mudou: sou um homem negro. E como um negro no país da democracia racial, sempre soube que o tratamento gentil e tolerante a mim dispensado sempre esteve condicionado a que eu soubesse o meu lugar e que não me atrevesse a sair dele.
Fui candidato a deputado federal nas eleições de 2014. Alcancei quase 12 mil votos, alcançando posição de segundo suplente à câmara federal. Como liderança política do diverso e confuso movimento negro brasileiro, me dediquei ao enfrentamento ao racismo, à denúncia do genocídio negro e à luta por direitos sociais para o povo negro, sobretudo no que diz respeito à educação e aos direitos humanos, temas em que atuo com mais profundidade. Ainda assim, sempre enfrentei olhares desconfiados, posturas desencorajadoras e a impressão de eterna dúvida quanto à minha capacidade política ou profissional. Depois da candidatura em 2014, essa impressão só aumentou. E agora finalmente transpareceu, verbalizada, em uma destas conversas de internet, na última semana: “A política não é lugar pra preto vagabundo feito você!”
Um fato é inquestionável: negros não são tolerados na política, senão como serviçais, cabos eleitorais ou, no máximo, assistentes. No campo da esquerda isso não muda. E se for mulher é ainda mais difícil. Só que desta vez consegui reverter o efeito desestimulante. Diante da cultura racista dominante na ocupação dos espaços do poder político, dou aqui a minha resposta: “Vamos enfrentar, vamos disputar e vamos vencer! Lugar de preto é onde ele quiser – inclusive na política! "
(http://negrobelchior.cartacapital.com.br/politica-nao-elugar-pra-preto-vagabundo-feito-voce/. Texto adaptado)