Questão 8ecc08e6-ab
Prova:INSPER 2015
Disciplina:Português
Assunto:Interpretação de Textos

Pressupostos são ideias que, apesar de não estarem expressas no texto de forma explícita, podem ser identificadas pelo leitor a partir do emprego de certas palavras ou expressões. Na passagem “O problema é que nem no hospital o cliente estaria a salvo” a palavra em destaque estabelece o mesmo pressuposto presente em

A ciência gordurosa
Vou ao supermercado e fico pasmo com os produtos nas prateleiras. Não falo da quantidade de iogurtes, bolachas, pastas dentifrícias ou papel higiênico que me transformam no famoso burro de Buridan – o asno do paradoxo filosófico que morre de fome por não saber qual dos pedaços de feno escolher. De fato, tanta variedade paralisa qualquer um.
Falo de outro fenômeno igualmente agônico: a quantidade de produtos alimentares que parecem
diretamente saídos de um consultório médico.
Um iogurte não é um iogurte, com um determinado sabor e uma determinada textura. É quase um remédio de farmácia que promete diminuir o colesterol e controlar 50 outros indicadores orgânicos igualmente importantes para a saúde do sujeito.
E quem fala em iogurtes, fala em sucos (com seu cortejo de vitaminas), batatas fritas (com reduções
heroicas na quantidade de sal) e até chocolates (alguns deles prometem melhorar o fluxo arterial). Como se chegou a isto?
Verdade: com a "morte de Deus" e o fim de uma vida transcendente, cuidar do corpo transformou-se na única religião dos homens modernos. De tal forma que nem a gastronomia está a salvo: antes do prazer ou da mera fome, está primeiro a saúde.
Hoje, não se come mais para viver. Come-se para viver até aos cem – uma importante revolução
civilizacional.
Honestamente, nem sei por que motivo não se abrem restaurantes em hospitais, com refeições cozinhadas por médicos e servidas por enfermeiros. No final, o cliente faria análises ao sangue e só pagaria a conta se tivesse o número certo de triglicerídeos.
O problema é que nem no hospital o cliente estaria a salvo. Desde logo porque é cada vez mais difícil saber o que comer: existem estudos, publicados a um ritmo demencial, que dizem uma coisa e o seu contrário. Às vezes, na mesma semana – ou até no mesmo dia.
A carne vermelha é má, defendem uns. A carne vermelha é ótima, garantem outros. Sobre os laticínios, há opiniões para todos os gostos: são puro veneno; são simplesmente insubstituíveis. E até as gorduras, que deveriam ser um inimigo consensual, parece que não são tão inimigas assim.
A revista "Time", aliás, dedicou matéria especial ao fenômeno: durante décadas, o país declarou guerra às gorduras (...) Os americanos foram dizendo adeus ao lixo, optando por aves, leite magro ou cereais. Infelizmente, a mudança na dieta não os tornou mais saudáveis. Pelo contrário: o país está mais doente do que nunca. (...)
Explicações?
Não, a gordura não é o papão que se imaginava, explica a revista. Não entro em termos técnicos, até
porque eles são demasiado gordurosos para mim. Mas parece que a gordura do peixe e dos vegetais é boa para o coração. E até a gordura "suspeita" de um bom filé (cozinhado com manteiga, claro) tem vantagens respeitáveis na limpeza do mau colesterol.
Os verdadeiros inimigos, hoje, são os carboidratos presentes nos açúcares, nos doces, nos farináceos. Isso, claro, enquanto não surgir um novo estudo a defender precisamente o contrário – ou, pelo menos, a colocar as coisas nas suas devidas proporções.
E eu? Que fazer perante essa selva de alarmes contraditórios?

João Pereira Coutinho
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/172598-...
gordurosa.shtml. Acesso em 31.07.14

A
“É quase um remédio de farmácia”.
B
“... e até chocolates (alguns deles prometem melhorar o fluxo arterial)”.
C
“... e pagaria a conta se tivesse o número certo de triglicerídeos”.
D
“ até porque eles são demasiado gordurosos para mim”.
E
“Isso, claro, enquanto não surgir um novo estudo.”

Gabarito comentado

C
Camila Nogueira Monitor do Qconcursos

Tema central da questão: Interpretação de texto, mais especificamente, compreensão dos pressupostos linguísticos no uso de operadores argumentativos, como “nem” e “até”. O candidato precisa identificar como esses termos geram conteúdo implícito no enunciado.

Justificativa da alternativa correta (B):

No trecho do texto: “O problema é que nem no hospital o cliente estaria a salvo”, o termo “nem” pressupõe que outros lugares já foram considerados inseguros e até o hospital — local tido como referência de segurança — também não oferece abrigo. Trata-se da quebra de uma expectativa.

Na alternativa B) — “... e até chocolates (alguns deles prometem melhorar o fluxo arterial).” —, o termo “até” também opera um pressuposto semelhante, pois indica surpresa ao incluir “chocolates” numa lista de alimentos supostamente saudáveis, admitindo implicitamente que elementos menos improváveis já foram citados.

Gramática de referência: segundo Bechara (Moderna Gramática Portuguesa), ambas as expressões “nem” e “até” funcionam como operadores argumentativos, mobilizando pressupostos e organizando a progressão argumentativa.

Análise das alternativas incorretas:

A) “quase”: aponta proximidade ou grau, mas não pressupõe nada além do que já está explícito.

C) “só”: indica exclusividade ou restrição, sem criar o mesmo pressuposto de surpresa ou quebra de expectativa.

D) “demasiado”: expressa exagero, excesso, não introduz pressuposições.

E) “claro”: indica evidência ou reforço do que se considera notório, e não mobiliza o mesmo tipo de pressuposto.

Ponto-chave de interpretação: Ter atenção à função semântica dos operadores é essencial para detectar pegadinhas. “Nem” e “até” expandem ou surpreendem o que era esperado no texto, enquanto as demais palavras não criam esse efeito implícito.

Dica estratégica: Em questões de pressupostos, procure identificar a palavra de destaque e pense: “O que se subentende pelo uso deste termo?” Se ele amplia ou gera surpresa/contraste ao que já foi dito, pode estar ativando um pressuposto.

Referências como Cunha & Cintra e os manuais de redação reforçam: a atenção ao emprego desses conectivos é fundamental para a compreensão fina dos textos e para evitar respostas superficiais.

Gostou do comentário? Deixe sua avaliação aqui embaixo!

Estatísticas

Aulas sobre o assunto

Questões para exercitar

Artigos relacionados

Dicas de estudo