Capítulo XXXVIII: Que Susto, Meu Deus!
Quando Pádua, vindo pelo interior, entrou na sala de
visitas, Capitu, em pé, de costas para mim, inclinada sobre a
costura, como a recolhê-la, perguntava em voz alta:
— Mas, Bentinho, que é protonotário apostólico?
— Ora, vivam! exclamou o pai.
— Que susto, meu Deus!
Agora é que o lance é o mesmo; mas se conto aqui, tais
quais, ou dois lances de há quarenta anos, é para mostrar
que Capitu não se dominava só em presença da mãe; o pai
não lhe meteu mais medo. No meio de uma situação que me
atava a língua, usava da palavra com a maior ingenuidade
deste mundo. A minha persuasão é que o coração não lhe
batia mais nem menos. Alegou susto, e deu à cara um ar
meio enfiado; mas eu, que sabia tudo, vi que era mentira e
fiquei com inveja. Foi logo falar ao pai, que apertou a minha
mão, e quis saber por que a filha falava em protonotário
apostólico. Capitu repetiu-lhe o que ouvira de mim, e opinou
logo que o pai devia ir cumprimentar o padre em casa dele;
ela iria à minha. E coligindo os petrechos da costura, enfiou
pelo corredor, bradando infantilmente:
— Mamãe, jantar, papai chegou!
(Machado de Assis – Dom Casmurro.)
O romance realista machadiano alcançou grande destaque
na literatura, sendo Machado de Assis reconhecido como o
autor que marcou o início do Realismo no Brasil, em 1881.
De acordo com o trecho, é possível reconhecer em sua
obra:
Gabarito comentado
Tema central: A questão pede o reconhecimento das características do Realismo na obra de Machado de Assis, especialmente quanto ao tratamento das relações humanas e à análise psicológica dos personagens, com ênfase no trecho de “Dom Casmurro”.
Conceito fundamental: O Realismo brasileiro, inaugurado por Machado de Assis, rompe com as idealizações do Romantismo e aprofunda-se na observação objetiva, análise crítica e introspecção psicológica dos personagens. Segundo estudiosos como Alfredo Bosi, Machado elabora com profundidade os meandros internos das emoções humanas, evidenciando contradições, incertezas e ambiguidades.
Justificativa da alternativa correta (D):
A alternativa D destaca precisamente o “aprofundamento e questionamento na focalização das relações humanas” e a importância do realismo interior/psicológico. No trecho citado, o narrador analisa as reações de Capitu e duvida de sua sinceridade, mostrando o olhar subjetivo e a dúvida constante sobre sentimentos e intenções: elementos típicos do realismo psicológico machadiano.
Análise das demais alternativas:
A) Refere-se ao Romantismo, valorizando o sentimento, introspecção e idealização amorosa. Não corresponde ao realismo crítico e racional de Machado.
B) Cita maniqueísmo (divisão entre bem/mal), o que não ocorre no Realismo, pois os personagens são multifacetados e ambíguos.
C) Limita-se à questão do modelo patriarcal europeu e da segregação feminina, não evidenciando o traço central machadiano: análise interna, subjetividade e questionamento.
E) Associa a relação a uma vassalagem metafórica herdada do Romantismo, quando o Realismo nega esse tipo de idealização relacional.
Estratégia para provas: Fique atento(a) a palavras-chave como introspecção, análise psicológica, subjetividade, questionamento, e evite confundir tais termos com idealização e sentimentalismo – que pertencem ao Romantismo.
Resumo: O Realismo machadiano se destaca pelo exame perspicaz da psicologia dos personagens, aprofundando-se na análise das relações humanas de forma complexa e distante das idealizações românticas.
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