Questão 750b0779-51
Prova:UNIFESP 2018
Disciplina:Literatura
Assunto:Escolas Literárias, Romantismo

Guardadas as proporções, o ambiente retratado no texto de Gilberto Freyre aparece com destaque na produção literária de

Para responder à questão, leia o trecho do livro Casa-grande e senzala, de Gilberto Freyre.


       Mas a casa-grande patriarcal não foi apenas fortaleza, capela, escola, oficina, santa casa, harém, convento de moças, hospedaria. Desempenhou outra função importante na economia brasileira: foi também banco. Dentro das suas grossas paredes, debaixo dos tijolos ou mosaicos, no chão, enterrava-se dinheiro, guardavam-se joias, ouro, valores. Às vezes guardavam-se joias nas capelas, enfeitando os santos. Daí Nossas Senhoras sobrecarregadas à baiana de teteias, balangandãs, corações, cavalinhos, cachorrinhos e correntes de ouro. Os ladrões, naqueles tempos piedosos, raramente ousavam entrar nas capelas e roubar os santos. É verdade que um roubou o esplendor e outras joias de São Benedito; mas sob o pretexto, ponderável para a época, de que “negro não devia ter luxo”. Com efeito, chegou a proibir-se, nos tempos coloniais, o uso de “ornatos de algum luxo” pelos negros.

      Por segurança e precaução contra os corsários, contra os excessos demagógicos, contra as tendências comunistas dos indígenas e dos africanos, os grandes proprietários, nos seus zelos exagerados de privativismo, enterraram dentro de casa as joias e o ouro do mesmo modo que os mortos queridos. Os dois fortes motivos das casas-grandes acabarem sempre mal-assombradas com cadeiras de balanço se balançando sozinhas sobre tijolos soltos que de manhã ninguém encontra; com barulho de pratos e copos batendo de noite nos aparadores; com almas de senhores de engenho aparecendo aos parentes ou mesmo estranhos pedindo padres-nossos, ave-marias, gemendo lamentações, indicando lugares com botijas de dinheiro. Às vezes dinheiro dos outros, de que os senhores ilicitamente se haviam apoderado. Dinheiro que compadres, viúvas e até escravos lhes tinham entregue para guardar. Sucedeu muita dessa gente ficar sem os seus valores e acabar na miséria devido à esperteza ou à morte súbita do depositário. Houve senhores sem escrúpulos que, aceitando valores para guardar, fingiram-se depois de estranhos e desentendidos: “Você está maluco? Deu-me lá alguma cousa para guardar?”

      Muito dinheiro enterrado sumiu-se misteriosamente. Joaquim Nabuco, criado por sua madrinha na casa-grande de Maçangana, morreu sem saber que destino tomara a ourama para ele reunida pela boa senhora; e provavelmente enterrada em algum desvão de parede. […] Em várias casas-grandes da Bahia, de Olinda, de Pernambuco se têm encontrado, em demolições ou escavações, botijas de dinheiro. Na que foi dos Pires d’Ávila ou Pires de Carvalho, na Bahia, achou-se, num recanto de parede, “verdadeira fortuna em moedas de ouro”. Noutras casas-grandes só se têm desencavado do chão ossos de escravos, justiçados pelos senhores e mandados enterrar no quintal, ou dentro de casa, à revelia das autoridades. Conta-se que o visconde de Suaçuna, na sua casa-grande de Pombal, mandou enterrar no jardim mais de um negro supliciado por ordem de sua justiça patriarcal. Não é de admirar. Eram senhores, os das casas-grandes, que mandavam matar os próprios filhos. Um desses patriarcas, Pedro Vieira, já avô, por descobrir que o filho mantinha relações com a mucama de sua predileção, mandou matá-lo pelo irmão mais velho.

                         (In: Silviano Santiago (coord.). Intérpretes do Brasil, 2000.)

A
Euclides da Cunha.
B
Machado de Assis.
C
Aluísio Azevedo.
D
José Lins do Rego.
E
Lima Barreto.

Gabarito comentado

J
João Lima Monitor do Qconcursos

Tema central: A questão pede que o candidato reconheça, entre autores clássicos brasileiros, aquele cuja obra literária expressa mais diretamente o ambiente histórico-social descrito por Gilberto Freyre em "Casa-grande & Senzala" — ou seja, o universo dos engenhos de açúcar, marcado pela convivência, antagonismo e dinâmica entre casa-grande e senzala.

Gilberto Freyre, em sua obra, descreve a estrutura socioeconômica dos engenhos nordestinos: a casa-grande como núcleo de poder, riqueza e autoridade patriarcal, e a senzala como espaço de domínio, trabalho escravo e tensões sociais. Esse cenário constitui uma marca fundadora da identidade brasileira colonial.

Alternativa correta: D) José Lins do Rego

A produção de José Lins do Rego, especialmente no chamado "ciclo da cana-de-açúcar" (com títulos como “Menino de Engenho”, “Doidinho”, “Banguê”), constrói narrativas ambientadas em engenhos nordestinos e expõe as relações entre senhor e escravo, parentes e agregados, questionando a herança social e afetiva desses espaços. Sua literatura dialoga diretamente com os elementos destacados por Freyre, reproduzindo, pela ficção, os processos, conflitos e reminiscências da vida patriarcal do Nordeste.

Análise das alternativas incorretas:

  • Euclides da Cunha – Examina o sertão e a Guerra de Canudos em “Os Sertões”; não aborda engenhos ou o cotidiano casa-grande/senzala.
  • Machado de Assis – Foca na psicologia urbana-fluminense do século XIX-XX; não retrata engenhos nem explora a cultura patriarcal rural.
  • Aluísio Azevedo – Em “O Cortiço”, mostra o ambiente urbano e coletivo, distante do universo dos engenhos açucareiros.
  • Lima Barreto – Em “Triste Fim de Policarpo Quaresma”, centra-se em questões urbanas da Primeira República e não na antiga ordem rural nordestina.

Estratégias de resolução: Atenção ao contexto histórico-literário das obras citadas, evasão de generalizações (por exemplo, não equivaler “clássicos brasileiros” a qualquer obra do século XIX) e identificação do espaço de ação narrativa dos autores. O erro mais comum seria confundir regionalismo nordestino com sertão apenas, ou autores de crítica social urbana com romancistas do universo rural canavieiro.

No estudo para concursos, vale sempre mapear temas centrais das escolas literárias e relacioná-los a seus principais representantes e cenários — como orientam manuais consagrados, por exemplo, o “Manual de Literatura Brasileira”, de Massaud Moisés.

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