Leia um trecho do conto No Moinho, do escritor português Eça
de Queirós, em que Maria da Piedade é a personagem central do
enredo.
Refugiava-se então naquele amor como uma compensação deliciosa. Julgando-o todo puro, todo de alma, deixava-se penetrar
dele e da sua lenta influência. Adrião tornara-se, na sua imaginação, como um ser de proporções extraordinárias, tudo o que é forte,
e que é belo, e que dá razão à vida. […] Leu todos os seus livros,
sobretudo aquela Madalena que também amara, e morrera de um
abandono. Estas leituras calmavam-na, davam-lhe como uma vaga
satisfação ao desejo. Chorando as dores das heroínas de romance,
parecia sentir alívio às suas.
Lentamente, esta necessidade de encher a imaginação desses lances de amor, de dramas infelizes, apoderou-se dela. Foi
durante meses um devorar constante de romances. Ia-se assim
criando no seu espírito um mundo artificial e idealizado. A realidade tornava-se-lhe odiosa, sobretudo sob aquele aspecto da sua
casa, onde encontrava sempre agarrado às saias um ser enfermo. Vieram as primeiras revoltas. Tornou-se impaciente e áspera.
Não suportava ser arrancada aos episódios sentimentais do seu
livro, para ir ajudar a voltar o marido e sentir-lhe o hálito mau.
Veio-lhe o nojo das garrafadas, dos emplastros, das feridas dos
pequenos a lavar. Começou a ler versos. Passava horas só, num
mutismo, à janela, tendo sob o seu olhar de virgem loura toda a
rebelião duma apaixonada. Acreditava nos amantes que escalam
os balcões, entre o canto dos rouxinóis: e queria ser amada assim,
possuída num mistério de noite romântica…
(Eça de Queirós. Contos, s/d.)
Nesse trecho do conto, evidencia-se a ligação do escritor à estética realista, pois ele
Gabarito comentado
Tema central: A questão explora a presença do Realismo em “No Moinho”, de Eça de Queirós, pedindo ao candidato que reconheça no trecho a crítica à educação romântica doméstica, marca característica desse movimento.
Contextualização teórica: O Realismo surge em resposta ao Romantismo, rompendo com o excesso de idealização e sentimentalismo. Os realistas, como Eça, buscavam a representação objetiva da realidade, expondo as relações sociais, instituições e valores críticos da sociedade do século XIX. Segundo Eça de Queirós (referência clássica nos manuais de Literatura), seus personagens frequentemente expressam as consequências nocivas de uma formação sentimental alienada e de visões de mundo sustentadas por romances idealizadores.
Justificativa alternativa correta (D): O texto mostra Maria da Piedade absorvida por fantasias amorosas de livros românticos, criando “um mundo artificial” que gera frustração diante da vida real. O autor evidencia a crítica à educação romântica que condiciona a mulher a buscar sentido exclusivo no amor idealizado. Esse conflito entre ilusão e realidade é analisado pelo Realismo como um problema social e formativo. Reconhecer essa crítica é fundamental em abordagens de concursos (bastante discutido em obras como “Literatura Brasileira em Questões”, de William Roberto Cereja).
Análise das alternativas incorretas:
- A: Equivocada. Não há enaltecimento nem incentivo à resignação da mulher; pelo contrário, a passividade é posta como causa de sofrimento e alienação.
- B: Imprecisa. A crítica não recai primariamente sobre Adrião, mas sobre os efeitos dos ideais românticos em Maria.
- C: Falsa generalização. O conto não toma a literatura como força social de abolição do casamento, mas como agente de ilusão individual.
- E: Deslocada. Não trata da miséria camponesa, mas da alienação emocional da personagem burguesa.
Estratégia para provas: Atenção ao que realmente é criticado: a influência negativa de uma formação romântica sobre a vida prática e emocional da mulher. Em questões de escolas literárias, observe sempre o foco principal da crítica realista, geralmente voltada para instituições, costumes e valores ilusórios impostos pela sociedade.
Gostou do comentário? Deixe sua avaliação aqui embaixo!






