Os dois mais murmuravam que conversavam: havia pouco iniciara-se o namoro e ambos andavam
tontos, era o amor. Amor com o que vem junto: ciúme.
– Está bem, acredito que sou a sua primeira namorada, fico feliz com isso. Mas me diga a verdade,
só a verdade: você nunca beijou uma mulher antes de me beijar?
Ele foi simples:
– Sim, já beijei antes uma mulher.
– Quem era ela? perguntou com dor.
Ele tentou contar toscamente, não sabia como dizer.
O ônibus da excursão subia lentamente a serra. Ele, um dos garotos no meio da garotada em
algazarra, deixava a brisa fresca bater-lhe no rosto e entrar-lhe pelos cabelos com dedos longos,
finos e sem peso como os de uma mãe. Ficar às vezes quieto, sem quase pensar, e apenas sentir
– era tão bom. A concentração no sentir era difícil no meio da balbúrdia dos companheiros. [...]
O ônibus parou, todos estavam com sede mas ele conseguiu ser o primeiro a chegar ao chafariz de
pedra, antes de todos.
De olhos fechados entreabriu os lábios e colou-os ferozmente ao orifício de onde jorrava a água. O
primeiro gole fresco desceu, escorrendo pelo peito até a barriga. [...]
Ele a havia beijado.
Sofreu um tremor que não se via por fora e que se iniciou bem dentro dele e tomou-lhe o corpo todo
estourando pelo rosto em brasa viva.
Deu um passo para trás ou para frente, nem sabia mais o que fazia. Perturbado, atônito, percebeu
que uma parte de seu corpo, sempre antes relaxada, estava agora com uma tensão agressiva, e
isso nunca lhe tinha acontecido. [...]
Até que, vinda da profundeza de seu ser, jorrou de uma fonte oculta nele a verdade. Que logo o
encheu de susto e logo também de um orgulho antes jamais sentido: ele…
Ele se tornara homem.
LISPECTOR, Clarice. O primeiro beijo. In: Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. p. 157.(Adaptado)
O amor juvenil é tema de O primeiro beijo, de Clarice Lispector. Além disso, esse conto pode
ser interpretado como um rito de passagem e dele se entende que
Os dois mais murmuravam que conversavam: havia pouco iniciara-se o namoro e ambos andavam tontos, era o amor. Amor com o que vem junto: ciúme.
– Está bem, acredito que sou a sua primeira namorada, fico feliz com isso. Mas me diga a verdade, só a verdade: você nunca beijou uma mulher antes de me beijar?
Ele foi simples:
– Sim, já beijei antes uma mulher.
– Quem era ela? perguntou com dor.
Ele tentou contar toscamente, não sabia como dizer.
O ônibus da excursão subia lentamente a serra. Ele, um dos garotos no meio da garotada em algazarra, deixava a brisa fresca bater-lhe no rosto e entrar-lhe pelos cabelos com dedos longos, finos e sem peso como os de uma mãe. Ficar às vezes quieto, sem quase pensar, e apenas sentir – era tão bom. A concentração no sentir era difícil no meio da balbúrdia dos companheiros. [...]
O ônibus parou, todos estavam com sede mas ele conseguiu ser o primeiro a chegar ao chafariz de pedra, antes de todos.
De olhos fechados entreabriu os lábios e colou-os ferozmente ao orifício de onde jorrava a água. O primeiro gole fresco desceu, escorrendo pelo peito até a barriga. [...]
Ele a havia beijado.
Sofreu um tremor que não se via por fora e que se iniciou bem dentro dele e tomou-lhe o corpo todo estourando pelo rosto em brasa viva.
Deu um passo para trás ou para frente, nem sabia mais o que fazia. Perturbado, atônito, percebeu que uma parte de seu corpo, sempre antes relaxada, estava agora com uma tensão agressiva, e isso nunca lhe tinha acontecido. [...]
Até que, vinda da profundeza de seu ser, jorrou de uma fonte oculta nele a verdade. Que logo o encheu de susto e logo também de um orgulho antes jamais sentido: ele…
Ele se tornara homem.
LISPECTOR, Clarice. O primeiro beijo. In: Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. p. 157.(Adaptado)
O amor juvenil é tema de O primeiro beijo, de Clarice Lispector. Além disso, esse conto pode ser interpretado como um rito de passagem e dele se entende que
Gabarito comentado
Tema central: Interpretação de texto, explorando simbolismo, metáfora e a identificação do rito de passagem em narrativa literária.
O conto apresenta o despertar da sexualidade de um jovem, simbolizado pelo "primeiro beijo", que não é dado em uma pessoa real, mas na estátua do chafariz. Este momento, descrito de maneira sensível por Clarice Lispector, é o rito de passagem do personagem: ele sai do universo infantil, idealizado, e passa a vivenciar novas descobertas ligadas ao universo adulto.
Alternativa correta: B) "O garoto parte de um plano ideal definidor feminino rumo às mulheres reais."
Justificativa: O texto conduz o leitor a perceber que o “primeiro beijo” é dado numa representação idealizada do feminino – a estátua do chafariz. Segundo Massaud Moisés, esse tipo de rito em narrativas marca o abandono de fantasias para encarar o real. Após o contato com a estátua, o protagonista experimenta sentimentos inéditos, significando o início da passagem da adolescência para o universo adulto, aproximando-se, pela experiência simbólica, das mulheres reais.
Análise das alternativas incorretas:
A) “A namorada e seu ciúme despertam a masculinidade do personagem central.”
Não é o ciúme da namorada que desencadeia a descoberta do jovem, mas a experiência individual com a estátua, conforme ressalta Bechara sobre a importância da leitura atenta dos implícitos textuais.
C) “A sensualidade e o erotismo aparecem na aversão do garoto pela estátua.”
O texto não indica aversão à estátua. Pelo contrário, há fascínio e envolvimento; a sensualidade aflora a partir do contato simbólico e não de repulsa.
D) “A sede e o calor indicam a construção metafórica de dominar o próprio desejo.”
Sede e calor são contextos narrativos literais, usados para ambientar o episódio do chafariz e não para metaforizar domínio sobre o desejo.
Dica de prova: Fique atento a elementos simbólicos e metáforas, muitas vezes o enunciado exige reconhecer a transição representada por ações passíveis de interpretação, não explicitadas diretamente.
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