No trecho “depois de tantos naufrágios no sentido
figurado, pereceu num naufrágio concreto”, o autor
emprega a palavra “naufrágio” em dois sentidos
diferentes. Esses dois tipos de sentido também podem
ser identificados, respectivamente, nas seguintes
palavras do texto:
À margem de Memórias de um sargento de milícias
É difícil associar à impressão deixada por essa obra
divertida e leve a ideia de um destino trágico. Foi, entretanto, o
que coube a Manuel Antônio de Almeida, nascido em 1831 e
morto em 1861. A simples justaposição dessas duas datas é
bastante reveladora: mais alguns dados, os poucos de que
dispomos, apenas servem para carregar nas cores, para tornar
a atmosfera do quadro mais deprimente. Que é que cabe num
prazo tão curto?
Uma vida toda em movimento, uma série tumultuosa de
lutas, malogros e reerguimentos, as reações de uma vontade
forte contra os golpes da fatalidade, os heroicos esforços de
ascensão de um self-made man esmagado pelas
circunstâncias. Ignoramos quase totalmente seus começos de
menino pobre, mas talvez seja possível reconstruí-los em parte
pelas cenas tão vivas em que apresenta o garoto Leonardo
lançado de chofre nas ruas pitorescas da indolente
cidadezinha que era o Rio daquela época. Basta enumerar
todas as profissões que o escritor exerceu em seguida para
adivinhar o ambiente. Estudante na Escola de Belas-Artes e na
Faculdade de Medicina, jornalista e tradutor, membro
fundador da Sociedade das Belas-Artes, administrador da
Tipografia Nacional, diretor da Academia Imperial da Ópera
Nacional, Manuel Antônio provavelmente não se teria
candidatado ainda a uma cadeira da Assembleia Provincial se
suas ocupações sucessivas lhe garantissem uma renda
proporcional ao brilho de seus títulos. Achava-se justamente a
caminho da “sua” circunscrição, quando, depois de tantos
naufrágios no sentido figurado, pereceu num naufrágio
concreto, deixando saudades a um reduzido círculo de amigos,
um medíocre libreto de ópera e algumas traduções, do francês,
de romances de cordel, aos pesquisadores de curiosidade, e as
Memórias de um sargento de milícias ao seu país.
Paulo Rónai, Encontros com o Brasil. Rio de Janeiro:
Edições de Janeiro, 2014.
À margem de Memórias de um sargento de milícias
É difícil associar à impressão deixada por essa obra divertida e leve a ideia de um destino trágico. Foi, entretanto, o que coube a Manuel Antônio de Almeida, nascido em 1831 e morto em 1861. A simples justaposição dessas duas datas é bastante reveladora: mais alguns dados, os poucos de que dispomos, apenas servem para carregar nas cores, para tornar a atmosfera do quadro mais deprimente. Que é que cabe num prazo tão curto?
Uma vida toda em movimento, uma série tumultuosa de lutas, malogros e reerguimentos, as reações de uma vontade forte contra os golpes da fatalidade, os heroicos esforços de ascensão de um self-made man esmagado pelas circunstâncias. Ignoramos quase totalmente seus começos de menino pobre, mas talvez seja possível reconstruí-los em parte pelas cenas tão vivas em que apresenta o garoto Leonardo lançado de chofre nas ruas pitorescas da indolente cidadezinha que era o Rio daquela época. Basta enumerar todas as profissões que o escritor exerceu em seguida para adivinhar o ambiente. Estudante na Escola de Belas-Artes e na Faculdade de Medicina, jornalista e tradutor, membro fundador da Sociedade das Belas-Artes, administrador da Tipografia Nacional, diretor da Academia Imperial da Ópera Nacional, Manuel Antônio provavelmente não se teria candidatado ainda a uma cadeira da Assembleia Provincial se suas ocupações sucessivas lhe garantissem uma renda proporcional ao brilho de seus títulos. Achava-se justamente a caminho da “sua” circunscrição, quando, depois de tantos naufrágios no sentido figurado, pereceu num naufrágio concreto, deixando saudades a um reduzido círculo de amigos, um medíocre libreto de ópera e algumas traduções, do francês, de romances de cordel, aos pesquisadores de curiosidade, e as Memórias de um sargento de milícias ao seu país.
Paulo Rónai, Encontros com o Brasil. Rio de Janeiro:
Edições de Janeiro, 2014.
Gabarito comentado
Tema central: Interpretação de texto – enfoque na distinção entre sentido literal (denotativo) e sentido figurado (conotativo) das palavras, além do reconhecimento de metáforas.
Na frase do texto, “depois de tantos naufrágios no sentido figurado, pereceu num naufrágio concreto”, o autor utiliza “naufrágio” em dois sentidos distintos:
- Sentido figurado: fracassos, insucessos enfrentados pelo autor.
- Sentido literal: naufrágio real, acidente marítimo que levou à sua morte.
Como chegar à resposta:
A banca solicita que você localize outras palavras no texto empregadas de maneiras análogas, isto é, uma usada em sentido figurado e outra em sentido literal.
Justificativa da alternativa correta (B):
“atmosfera” – aparece com sentido figurado (“tornar a atmosfera do quadro mais deprimente”), referindo-se ao clima emocional, e não ao ar físico.
“fatalidade” – usada no sentido literal de acontecimento inevitável, seguindo o significado tradicional da palavra.
Tal escolha está amparada pela semântica normativa, como exposto por Bechara e Cunha & Cintra: “O contexto redefine o valor do vocábulo; figurado e literal são distinguíveis pela relação com a realidade imediata.”
Porque as outras estão incorretas:
- A) “malogros” e “reerguimentos”: ambos em sentido figurado, designando derrotas e superações.
- C) “circunstâncias” e “cores”: “circunstâncias” é literal; “cores” figurado, porém não há correspondência exata ao uso analógico pedido.
- D) “golpes” e “brilho”: ambos usados fig. (golpes = dificuldades; brilho = destaque).
- E) “pesquisadores” e “curiosidade”: ambos em sentido literal.
Dica de prova: Ao identificar palavras potencialmente metafóricas, cheque se referem diretamente a situações concretas ou se ilustram estados emocionais, características ou situações de modo figurado.
Referências: Bechara, Cunha & Cintra, Rocha Lima – todos destacam a importância do contexto na determinação do sentido das palavras.
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