Questão 509077a6-f7
Prova:UNEMAT 2016
Disciplina:Literatura
Assunto:Naturalismo, Escolas Literárias

Mas ao cabo de três meses, João Romão, [...] retornou à sua primitiva preocupação com o Miranda, única rivalidade que verdadeiramente o estimulava. Desde que o vizinho surgiu com o baronato, o vendeiro transformava-se por dentro e por fora a causar pasmo. Mandou fazer boas roupas e aos domingos refestelava-se de casaco branco e de meias, assentado defronte da venda, a ler jornais. Depois deu para sair a passeio, vestido de casemira, calçado e de gravata. [...] Já não era o mesmo lambuzão.

Bertoleza é que continuava na cepa torta, sempre a mesma crioula suja, sempre atrapalhada de serviço, sem domingo nem dia santo; essa, em nada, em nada absolutamente, participava das novas regalias Vestibular 2016/2 Página 15 do amigo; pelo contrário, à medida que ele galgava posição social, a desgraçada fazia-se mais e mais escrava e rasteira. [...] p.142

AZEVEDO, Aluisio. O cortiço. 5ª edição. São Paulo: Martin Claret, 2010.

A composição dos personagens é um dos elementos a serem considerados na interpretação de uma obra narrativa. No excerto destacado, tem-se o caso de um personagem que não se modifica no desenrolar da trama e de outro que se transforma na perspectiva da ascensão social e, sobre essa composição, observa-se que:

A
o português João Romão, no romance, representa um tipo que na vida social contemporânea denomina-se “novo-rico” e que corresponde àquela pessoa que enriquece financeiramente e, na mesma proporção e de modo espontâneo, muda seus hábitos socioculturais, que não se restringem apenas às aparências.
B
o fato de um personagem ascender economicamente e de outro manter-se na marginalidade, no romance em questão, possibilita uma reflexão sobre as complexas relações envolvidas nas discrepâncias entre as classes sociais no Brasil e o modo como a literatura lida com tais relações.
C
uma leitura atenta da obra, desde o começo até o final, permite a afirmação de que João Romão enriquece pelo esforço próprio, sem exploração da mão de obra alheia, e graças aos atributos da raça superior a que pertence.
D
Bertoleza, negra, permanece na marginalidade até o final da obra, quando recebe um desfecho trágico. Essa permanência na marginalidade não pode ser questionada no romance, porque o destino das personagens é algo que não sofre qualquer tipo de determinação e não se discute no plano da referida narrativa.
E
a única motivação de João Romão era o acúmulo de capital. Sua rivalidade com Miranda, que obtivera o título de Barão, não levava em conta o prestígio social advindo do baronato, fato que João Romão desprezava.

Gabarito comentado

N
Nicole Santos Monitor do Qconcursos

Tema central da questão: O foco está na composição dos personagens em “O Cortiço” de Aluísio Azevedo, particularmente no contraste entre João Romão (que ascende socialmente) e Bertoleza (que permanece marginalizada), tema essencial do Naturalismo - escola literária que enfatiza o determinismo social e a crítica às desigualdades de classe.

Justificativa da alternativa correta (B): Escolher a alternativa B requer compreender que o Naturalismo, conforme aponta Antonio Candido em “Formação da Literatura Brasileira”, busca retratar as condições sociais de forma objetiva, demonstrando como ambiente e hereditariedade moldam o destino, como acontece em “O Cortiço”. João Romão personifica o sujeito que prospera socialmente por meio da exploração e é movido pelo desejo de ascensão, enquanto Bertoleza permanece subjugada. Assim, o romance permite refletir criticamente sobre as discrepâncias e relações entre as classes sociais, exatamente como diz a alternativa B.

Alternativas incorretas:

A) A sensível pegadinha é insinuar que João Romão muda seus hábitos espontaneamente e que sua mudança não se limita à aparência. No entanto, sua transformação é superficial e movida por interesses (rivalidade e status), sem de fato modificar-se por dentro: a essência permanece mesquinha e exploradora.

C) Erra ao afirmar que a ascensão de João Romão ocorre sem exploração alheia e por mérito de uma “raça superior”. O texto e a crítica literária apontam que ele depende da exploração de Bertoleza e outros moradores, além de a obra justamente questionar esses argumentos racistas e deterministas de superioridade racial.

D) Ignora o determinismo, um dos pilares do Naturalismo. Em “O Cortiço”, o destino das personagens é diretamente condicionado pelo meio e pela estrutura social, que determina a marginalização de Bertoleza até o trágico final. O romance, inclusive, denuncia esse quadro.

E) Erra ao restringir a motivação de João Romão apenas ao capital. O texto evidencia que ele busca prestígio social e deseja imitar a ascensão de Miranda, valorizando simbolicamente o título de barão e tudo que representa status social.

Dicas de interpretação: Atenção às palavras que generalizam ou minimizam os conflitos (“apenas”, “espontâneo”, “não se pode questionar”), e busque sempre o vínculo entre o comportamento das personagens e o contexto social e histórico retratado. Isso evita cair em armadilhas de interpretação rasa ou moralista.

Resumo: A alternativa B é correta, pois expressa o objetivo naturalista do romance: viabilizar uma análise crítica da estrutura social e dos mecanismos de ascensão e exclusão.

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