Mas ao cabo de três meses, João Romão, [...]
retornou à sua primitiva preocupação com o Miranda,
única rivalidade que verdadeiramente o estimulava.
Desde que o vizinho surgiu com o baronato, o vendeiro
transformava-se por dentro e por fora a causar pasmo.
Mandou fazer boas roupas e aos domingos refestelava-se de casaco branco e de meias, assentado defronte
da venda, a ler jornais. Depois deu para sair a passeio,
vestido de casemira, calçado e de gravata. [...] Já não
era o mesmo lambuzão.
Bertoleza é que continuava na cepa torta,
sempre a mesma crioula suja, sempre atrapalhada de
serviço, sem domingo nem dia santo; essa, em nada,
em nada absolutamente, participava das novas regalias
Vestibular 2016/2 Página 15
do amigo; pelo contrário, à medida que ele galgava
posição social, a desgraçada fazia-se mais e mais
escrava e rasteira. [...] p.142
AZEVEDO, Aluisio. O cortiço. 5ª edição. São Paulo: Martin Claret,
2010.
A composição dos personagens é um dos
elementos a serem considerados na interpretação de
uma obra narrativa. No excerto destacado, tem-se o
caso de um personagem que não se modifica no
desenrolar da trama e de outro que se transforma na
perspectiva da ascensão social e, sobre essa
composição, observa-se que:
Gabarito comentado
Tema central da questão: O foco está na composição dos personagens em “O Cortiço” de Aluísio Azevedo, particularmente no contraste entre João Romão (que ascende socialmente) e Bertoleza (que permanece marginalizada), tema essencial do Naturalismo - escola literária que enfatiza o determinismo social e a crítica às desigualdades de classe.
Justificativa da alternativa correta (B): Escolher a alternativa B requer compreender que o Naturalismo, conforme aponta Antonio Candido em “Formação da Literatura Brasileira”, busca retratar as condições sociais de forma objetiva, demonstrando como ambiente e hereditariedade moldam o destino, como acontece em “O Cortiço”. João Romão personifica o sujeito que prospera socialmente por meio da exploração e é movido pelo desejo de ascensão, enquanto Bertoleza permanece subjugada. Assim, o romance permite refletir criticamente sobre as discrepâncias e relações entre as classes sociais, exatamente como diz a alternativa B.
Alternativas incorretas:
A) A sensível pegadinha é insinuar que João Romão muda seus hábitos espontaneamente e que sua mudança não se limita à aparência. No entanto, sua transformação é superficial e movida por interesses (rivalidade e status), sem de fato modificar-se por dentro: a essência permanece mesquinha e exploradora.
C) Erra ao afirmar que a ascensão de João Romão ocorre sem exploração alheia e por mérito de uma “raça superior”. O texto e a crítica literária apontam que ele depende da exploração de Bertoleza e outros moradores, além de a obra justamente questionar esses argumentos racistas e deterministas de superioridade racial.
D) Ignora o determinismo, um dos pilares do Naturalismo. Em “O Cortiço”, o destino das personagens é diretamente condicionado pelo meio e pela estrutura social, que determina a marginalização de Bertoleza até o trágico final. O romance, inclusive, denuncia esse quadro.
E) Erra ao restringir a motivação de João Romão apenas ao capital. O texto evidencia que ele busca prestígio social e deseja imitar a ascensão de Miranda, valorizando simbolicamente o título de barão e tudo que representa status social.
Dicas de interpretação: Atenção às palavras que generalizam ou minimizam os conflitos (“apenas”, “espontâneo”, “não se pode questionar”), e busque sempre o vínculo entre o comportamento das personagens e o contexto social e histórico retratado. Isso evita cair em armadilhas de interpretação rasa ou moralista.
Resumo: A alternativa B é correta, pois expressa o objetivo naturalista do romance: viabilizar uma análise crítica da estrutura social e dos mecanismos de ascensão e exclusão.
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