Questão 50875e25-f7
Prova:
Disciplina:
Assunto:
I
Óbito do autor
“Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias
pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro
lugar meu nascimento ou a minha morte. Suposto o
uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas
considerações me levaram a adotar diferente método: a
primeira é que eu não sou propriamente um autor
defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim
mais galante e mais novo. Móises, que também contou
a sua morte, não a pôs no introito, mas no cabo:
diferença radical entre este livro e o Pentateuco.
Dito isto, expirei às duas horas da tarde de uma sexta
feira do mês de agosto de 1869, na minha bela chácara
de Catumbi. Tinha uns sessenta e quatro anos, rijos e
prósperos, era solteiro, possuía cerca de trezentos
contos e fui acompanhado ao cemitério por onze
amigos. Onze amigos! Verdade é que não houve cartas
nem anúncios. Acresce que chovia – peneirava – uma
chuvinha miúda, triste e constante, tão constante e tão
triste, que levou um daqueles fiéis da última hora a
intercalar esta engenhosa ideia no discurso que
proferiu à beira de minha cova: - ‘Vós, que o
conhecestes, meus senhores, vós podeis dizer comigo
que a natureza parece estar chorando a perda
irreparável de um dos mais belos caracteres que têm
honrado a Humanidade. Este ar sombrio, estas gotas
do céu, aquelas nuvens escuras que cobrem o azul
como um crepe funéreo, tudo isso é a dor crua e má
que lhe rói à Natureza as mais íntimas entranhas: tudo
isso é um sublime louvor ao nosso ilustre finado’.
Bom e fiel amigo! Não, não me arrependo das vinte
apólices que lhe deixei.” [...]
ASSIS, Machado. Memórias Póstumas de Brás Cubas. 2. ed. São
Paulo; Martin Claret, 2010, página 17.
PAZ, Octavio. Signos em rotação. São Paulo: Perspectiva, 2003.
Segundo o mexicano Octavio Paz, os
elementos da ironia e do humor são marcas fundantes
do romance moderno. A ironia é o elemento que
consiste em exprimir o contrário daquilo que se está
pensando ou sentindo, e na maioria das vezes traz um
toque de sarcasmo ou depreciação, maneira também
de fazer críticas a alguma situação ou a algum
comportamento de alguém. O humor, enquanto isso,
consiste no elemento ou construção de enunciado que
aponta para o cômico, o divertido, sendo ele também
uma maneira de fazer críticas.
No trecho transcrito do romance Memórias
Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis,
constata-se a ironia no seguinte enunciado:
I
Óbito do autor
“Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias
pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro
lugar meu nascimento ou a minha morte. Suposto o
uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas
considerações me levaram a adotar diferente método: a
primeira é que eu não sou propriamente um autor
defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim
mais galante e mais novo. Móises, que também contou
a sua morte, não a pôs no introito, mas no cabo:
diferença radical entre este livro e o Pentateuco.
Dito isto, expirei às duas horas da tarde de uma sexta
feira do mês de agosto de 1869, na minha bela chácara
de Catumbi. Tinha uns sessenta e quatro anos, rijos e
prósperos, era solteiro, possuía cerca de trezentos
contos e fui acompanhado ao cemitério por onze
amigos. Onze amigos! Verdade é que não houve cartas
nem anúncios. Acresce que chovia – peneirava – uma
chuvinha miúda, triste e constante, tão constante e tão
triste, que levou um daqueles fiéis da última hora a
intercalar esta engenhosa ideia no discurso que
proferiu à beira de minha cova: - ‘Vós, que o
conhecestes, meus senhores, vós podeis dizer comigo
que a natureza parece estar chorando a perda
irreparável de um dos mais belos caracteres que têm
honrado a Humanidade. Este ar sombrio, estas gotas
do céu, aquelas nuvens escuras que cobrem o azul
como um crepe funéreo, tudo isso é a dor crua e má
que lhe rói à Natureza as mais íntimas entranhas: tudo
isso é um sublime louvor ao nosso ilustre finado’.
Bom e fiel amigo! Não, não me arrependo das vinte
apólices que lhe deixei.” [...]
ASSIS, Machado. Memórias Póstumas de Brás Cubas. 2. ed. São
Paulo; Martin Claret, 2010, página 17.
PAZ, Octavio. Signos em rotação. São Paulo: Perspectiva, 2003.
Segundo o mexicano Octavio Paz, os
elementos da ironia e do humor são marcas fundantes
do romance moderno. A ironia é o elemento que
consiste em exprimir o contrário daquilo que se está
pensando ou sentindo, e na maioria das vezes traz um
toque de sarcasmo ou depreciação, maneira também
de fazer críticas a alguma situação ou a algum
comportamento de alguém. O humor, enquanto isso,
consiste no elemento ou construção de enunciado que
aponta para o cômico, o divertido, sendo ele também
uma maneira de fazer críticas.
No trecho transcrito do romance Memórias
Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis,
constata-se a ironia no seguinte enunciado:
A
“Algum tempo hesitei se devia abrir estas
memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se
poria em primeiro lugar meu nascimento ou a
minha morte.”
B
“Dito isto, expirei às duas horas da tarde de
uma sexta-feira do mês de agosto de 1869, na
minha bela chácara do Catumbi.”
C
“Tinha uns sessenta e quatro anos, rijos e
prósperos, era solteiro, possuía cerca de
trezentos contos e fui acompanhado ao
cemitério por onze amigos.”
D
“Este ar sombrio, estas gotas do céu, aquelas
nuvens escuras que cobrem o azul como um
crepe funéreo, tudo isso é a dor crua e má que
lhe rói à Natureza as mais íntimas entranhas;
tudo isso é um sublime louvor ao nosso ilustre
finado.”
E
“Bom e fiel amigo! Não, não me arrependo das
vinte apólices que lhe deixei.”