A argumentação construída ao longo da crônica estabelece
uma oposição entre
Para chegar ao soberbo resultado de transformar a banha
em fibra, aí vem o futebol.
Mas por que o futebol?
Não seria, porventura, melhor exercitar-se a mocidade
em jogos nacionais, sem mescla de estrangeirismo, o murro,
o cacete, a faca de ponta, por exemplo?
Não é que me repugne a introdução de coisas exóticas
entre nós. Mas gosto de indagar se elas serão assimiláveis
ou não.
No caso afirmativo, seja muito bem-vinda a instituição
alheia, fecundemo-la, arranjemos nela um filho híbrido que
possa viver cá em casa. De outro modo, resignemo-nos às
broncas tradições dos sertanejos e dos matutos. Ora, parece-
-me que o futebol não se adapta a estas boas paragens do
cangaço. É roupa de empréstimo, que não nos serve.
Para que um costume intruso possa estabelecer-se definitivamente
em um país é necessário, não só que se harmonize
com a índole do povo que o vai receber, mas que o
lugar a ocupar não esteja tomado por outro mais antigo, de
cunho indígena. É preciso, pois, que vá preencher uma lacuna,
como diz o chavão.
O do futebol não preenche coisa nenhuma, pois já temos
a muito conhecida bola de palha de milho, que nossos amadores
mambembes1
jogam com uma perícia que deixaria o
mais experimentado sportman britânico de queixo caído.
Os campeões brasileiros não teriam feito a figura triste
que fizeram em Antuérpia se a bola figurasse nos programas
das Olimpíadas e estivessem a disputá-la quatro sujeitos de
pulso. Apenas um representante nosso conseguiu ali distinguir-se,
no tiro de revólver, o que é pouco lisonjeiro para a
vaidade de um país em que se fala tanto. Aqui seria muito
mais fácil o indivíduo salientar-se no tiro de espingarda umbiguda,
emboscado atrás de um pau.
Temos esportes em quantidade. Para que metermos o
bedelho em coisas estrangeiras?
O futebol não pega, tenham a certeza. Não vale o argumento
de que ele tem ganho terreno nas capitais de importância.
Não confundamos.
As grandes cidades estão no litoral; isto aqui é diferente,
é sertão.
As cidades regurgitam de gente de outras raças ou que
pretende ser de outras raças; nós somos mais ou menos botocudos,
com laivos de sangue cabinda e galego.
Nas cidades os viciados elegantes absorvem o ópio, a
cocaína, a morfina; por aqui há pessoas que ainda fumam
liamba².
1 mambembe: medíocre, reles, de baixa condição.
2 liamba: cânhamo, maconha.
(Linhas tortas, 1971.)
Gabarito comentado
Comentário – Interpretação de Texto / oposição temática
Esta questão avalia a capacidade de interpretação e identificação da oposição principal que estrutura o texto. Essas competências aparecem frequentemente em concursos e vestibulares, e exigem atenção ao argumento central do autor e à escolha de termos que expressam ideias opostas ou complementares.
O texto apresenta uma reflexão crítica sobre a adoção do futebol (um esporte estrangeiro) no lugar de práticas esportivas nacionais. O autor contrapõe o nacionalismo (preservação dos costumes locais, como a bola de palha de milho e tradições dos sertanejos) ao estrangeirismo (introdução de costumes e esportes vindos de fora, como o futebol britânico).
Justificativa da alternativa correta – D) nacionalismo e estrangeirismo:
A alternativa D expõe a oposição entre o “nacionalismo” (valorização de práticas e esportes locais) e o “estrangeirismo” (adoção de costumes e termos estrangeiros). O texto faz uso desse contraste em diversos momentos, por exemplo, ao mencionar que “o futebol não se adapta a estas boas paragens do cangaço” e ao ironizar os esportes estrangeiros em contraponto aos esportes já praticados no país.
Segundo a norma-padrão e conforme defendem Evanildo Bechara e o Manual de Comunicação do Senado Federal, “quando possível, deve-se preferir termos nacionais em vez de estrangeirismos”. Isso também aparece na discussão do texto, que propõe reflexão sobre esse fenômeno sociolinguístico e cultural.
Análise das alternativas incorretas:
A) Tradição e retrocesso: Embora haja defesa das tradições, o texto não as qualifica como “retrocesso”.
B) Amadorismo e profissionalismo: A oposição esporte amador/profissional não é abordada no texto.
C) Esporte e conservadorismo: O texto não sugere oposição entre praticar esportes e ser conservador.
E) Cultura e modernização: A discussão não é sobre “atraso cultural” versus “modernização” e sim sobre a origem (nacional ou estrangeira) das práticas esportivas.
Dica de prova: Palavras-chave com oposição de sentido (ex: nacional/estrangeiro) aparecem ao longo do texto. Identifique essas relações e desconfie de alternativas que tentem forçar dicotomias não discutidas no trecho.
Resumo: O texto opõe o nacionalismo ao estrangeirismo ao refletir sobre a assimilação cultural do futebol e a valorização de esportes já existentes localmente.
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