Questão 40f2c2ce-b2
Prova:UFU-MG 2016
Disciplina:Português
Assunto:Interpretação de Textos

I
(...)
O menino tinha no olhar um silêncio de chão
e na sua voz uma candura de Fontes.
O Pai achava que a gente queria desver o mundo
para encontrar nas palavras novas coisas de ver
assim: eu via a manhã pousada sobre as margens do
rio do mesmo modo que uma garça aberta na solidão
de uma pedra.
(...)
BARROS, Manoel de. Menino do mato. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2015. p.13

 Em Menino do mato, um eu lírico menino tem o desejo de apreender, sem se preocupar com explicações, as coisas do mundo, criar novidades por meio das palavras e de sua inocência pueril. Essa mesma ideia perpassa o fragmento: 

A
“Paulo tinha fama de mentiroso. Um dia chegou em casa dizendo que vira no campo dois dragões da independência cuspindo fogo e lendo fotonovelas. [...] Quando o menino voltou falando que todas as borboletas da Terra passaram pela chácara de Siá Elpídia e queriam formar um tapete voador para transportá-lo ao sétimo céu, a mãe decidiu levá-lo ao médico. Após o exame, o Dr. Epaminondas abanou a cabeça: - Não há nada a fazer, Dona Coló. Este menino é mesmo um caso de poesia. ANDRADE, Carlos Drummond de. Contos plausíveis. Rio de Janeiro: José Olympio, 1985. p. 24.
B
“Vai embora gato/ De cima do telhado/ Senão o papaizinho/ Te faz desintegrado/ Dorme, filhinho, / Que esta vida é cômica, / Estrôncio 90/ Mentalidade atômica/ Sonha querido/ Enquanto sobe o jato/ Vamos pairando/ Com nosso pé-de-pato/ Bicho-papão, bicho-papão, / Me multa esse Poláris/ Que parou na contramão/ Boi-boi-boi, / boi da cara preta/ Liquida o homem verde/ Que caiu doutro planeta. ” FERNANDES, Millôr. Papáverum Millôr. Rio de Janeiro: Nórdica, 1974. p. 142. 
C
“[...] Em meus tempos de criança, era aquela encantação. Lia-se continuamente e avidamente um mundaréu de histórias (e não estórias) principalmente as do Tico-Tico. Mas lia-se corrido, isto é, frase após frase, do princípio ao fim. Ora, as crianças de hoje não se acostumam a ler correntemente, porque apenas olham as figuras dessas histórias em quadrinhos, cujo ‘texto’ se limita a simples frases interjetivas e assim mesmo muita vez incorretas. No fundo, uma fraseologia de guinchos e uivos, uma subliteratura de homem das cavernas. ” QUINTANA, Mário. 80 anos de poesia. São Paulo: Globo, 2002. 
D
“Em meio a um cristal de ecos/ O poeta vai pela rua/ Seus olhos verdes de éter/ Abrem cavernas na lua. / A lua volta de flanco/ Eriçada de luxúria/ O poeta, aloucado e branco/ Palpa as nádegas da lua. / [...]/ O poeta todo se lava/ De palidez e doçura. / Ardente e desesperada/ A lua vira em decúbito. ” MORAES, Vinicius. Antologia poética. Rio de Janeiro: José Olympio, 1975.

Gabarito comentado

E
Eduardo Mota Monitor do Qconcursos

Gabarito comentado:

Tema central: Interpretação de texto e figuras de linguagem, exigindo do candidato a análise da visão poética e inocente da infância sobre o mundo, utilizando recursos expressivos e linguagem conotativa.

No fragmento de Manoel de Barros, nota-se a valorização do olhar infantil capaz de reinventar o mundo por meio da imaginação e da expressão poética: “o menino tinha no olhar um silêncio de chão” e “eu via a manhã pousada sobre as margens do rio”. Tanto o vocabulário quanto as imagens mostram uma compreensão sensível e criativa da realidade, típica da inocência pueril.

Análise da alternativa correta:

A) O trecho de Carlos Drummond de Andrade traz a postura imaginativa e fantasiosa do menino, frequentemente vista como mentira pelos adultos (“dragões da independência cuspindo fogo”, “tapete voador para transportá-lo ao sétimo céu”). O diagnóstico “este menino é mesmo um caso de poesia” valoriza o poder criativo da infância — exatamente como o poema de Manoel de Barros, que sugere a capacidade de aprender o mundo por meio da beleza e imaginação, sem racionalizações adultas.

Essa resposta é confirmada pelas gramáticas consagradas (Bechara, Cunha & Cintra), que associam a linguagem conotativa e as figuras de linguagem ao discurso poético e à subjetividade própria da representação da infância.

Análise das alternativas incorretas:

B) Millôr Fernandes trabalha com crítica social e linguagem satírica, vemos termos como “Estrôncio 90”, “bicho-papão” e “homem verde”, que têm menos relação com inocência infantil e mais com ironia sobre a sociedade: o texto foge do olhar puro e criativo da criança.

C) Mário Quintana discorre sobre mudanças nos hábitos de leitura infantil, com tom nostálgico e crítico, mas não reproduz, em si, o encanto ou a imaginação poética infantil. O foco é a crítica à superficialidade dos “guinchos e uivos”, não a celebração da criatividade.

D) Vinicius de Moraes explora imagem sensorial e erótica com a lua, num lirismo adulto, distante do ponto de vista pueril. Não se trata de celebrar a inocência da criança, mas do poeta adulto enxergando (e transformando) o mundo.

Estratégia: Ao resolver questões assim, busque palavras-chave e tom do texto. Analise se o foco está na visão infantil, na criatividade espontânea, ou se há crítica social, nostalgia ou erotização – estes últimos desviam do tema central da questão.

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