Texto I
Logo descobriu que não podia absolutamente mais se mexer. Não se
admirou com esse fato, pareceu-lhe antes um pouco natural que até agora
tivesse conseguido se movimentar com aquelas perninhas finas. No restante
sentia-se relativamente confortável. Na realidade tinha dores no corpo, mas para
ele era como se elas fossem ficar cada vez mais fracas e finalmente
desaparecer por completo. A maçã apodrecida nas suas costas e a região
inflamada em volta, inteiramente cobertas por uma poeira mole, quase não o
incomodavam. Recordava-se da família com emoção e amor. Sua opinião de
que precisava desaparecer era, se possível, ainda mais decidida que a da irmã.
Permaneceu nesse estado de meditação vazia e pacífica até que o relógio da
torre bateu a terceira hora da manhã. Ele vivenciou o início do clarear geral do
dia lá do lado de fora da janela. Depois, sem intervenção da sua vontade, a
cabeça afundou completamente e das suas ventas fluiu fraco o último fôlego.
KAFKA, Franz. A metamorfose. Trad. Modesto Carone. São Paulo: Cia das Letras, 1997. p.
78.
Texto II
Saciada, espantada, continuou a passear com os olhos mais abertos, em
atenção às voltas violentas que a água pesada dava no estômago, acordando
pequenos reflexos pelo resto do corpo como luzes. A estrada subia muito. A estrada era mais bonita que o Rio de Janeiro, e
subia muito. Mocinha sentou-se numa pedra que havia junto de uma árvore, para
poder apreciar. O céu estava altíssimo, sem nenhuma nuvem. E tinha muito
passarinho que voava do abismo para a estrada. A estrada branca de sol
estendia sobre um abismo verde. Então, como estava cansada, a velha encostou
a cabeça no tronco da árvore e morreu.
LISPECTOR, Clarice. O grande passeio. In: Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
p. 37-38
Embora de épocas e nacionalidades distintas, os protagonistas de A metamorfose e
do conto O grande passeio têm em comum a
Texto I
Logo descobriu que não podia absolutamente mais se mexer. Não se admirou com esse fato, pareceu-lhe antes um pouco natural que até agora tivesse conseguido se movimentar com aquelas perninhas finas. No restante sentia-se relativamente confortável. Na realidade tinha dores no corpo, mas para ele era como se elas fossem ficar cada vez mais fracas e finalmente desaparecer por completo. A maçã apodrecida nas suas costas e a região inflamada em volta, inteiramente cobertas por uma poeira mole, quase não o incomodavam. Recordava-se da família com emoção e amor. Sua opinião de que precisava desaparecer era, se possível, ainda mais decidida que a da irmã. Permaneceu nesse estado de meditação vazia e pacífica até que o relógio da torre bateu a terceira hora da manhã. Ele vivenciou o início do clarear geral do dia lá do lado de fora da janela. Depois, sem intervenção da sua vontade, a cabeça afundou completamente e das suas ventas fluiu fraco o último fôlego.
KAFKA, Franz. A metamorfose. Trad. Modesto Carone. São Paulo: Cia das Letras, 1997. p. 78.
Texto II
Saciada, espantada, continuou a passear com os olhos mais abertos, em atenção às voltas violentas que a água pesada dava no estômago, acordando pequenos reflexos pelo resto do corpo como luzes. A estrada subia muito. A estrada era mais bonita que o Rio de Janeiro, e subia muito. Mocinha sentou-se numa pedra que havia junto de uma árvore, para poder apreciar. O céu estava altíssimo, sem nenhuma nuvem. E tinha muito passarinho que voava do abismo para a estrada. A estrada branca de sol estendia sobre um abismo verde. Então, como estava cansada, a velha encostou a cabeça no tronco da árvore e morreu.
LISPECTOR, Clarice. O grande passeio. In: Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. p. 37-38
Embora de épocas e nacionalidades distintas, os protagonistas de A metamorfose e
do conto O grande passeio têm em comum a
Gabarito comentado
Comentário sobre o Gabarito:
Tema central: A questão avalia interpretação de textos, pedindo que o aluno relacione temas e condutas psicológicas dos protagonistas de obras literárias distintas, com base nos elementos implícitos e explícitos dos textos.
Justificativa da alternativa correta (D): “a passividade diante das vicissitudes do curso da vida.”
Ambos os personagens principais — Gregor Samsa, de A Metamorfose, e a velha, de O Grande Passeio — enfrentam situações adversas (transformação física, isolamento, cansaço e morte) sem reagir ativamente ou resistir. A narrativa destaca a aceitação quase resignada ao sofrimento e à proximidade da morte. Como bem define Evanildo Bechara, interpretar é “captar as vivências, intenções e nuances que o texto transmite”, e aqui vemos personagens que, diante da adversidade, se deixam levar pelo curso inevitável dos fatos, demonstrando passividade existencial.
Análise das alternativas:
A) “a incapacidade de decisão ante as instabilidades sociais.”
Alternativa incorreta porque não há menção predominante a instabilidades sociais ou incapacidade de decisão nesse sentido. O foco é introspectivo, não social.
B) “o isolamento social devido ao descaso dos familiares.”
Ainda que Gregor passe por isolamento, isso não caracteriza ambos os protagonistas nem se trata de descaso acentuado da família de Mocinha, tornando a resposta inadequada.
C) “o devaneio filosófico a respeito dos fenômenos da natureza.”
Ausente nos trechos apresentados. Nenhum dos protagonistas faz reflexões filosóficas sobre a natureza – há apenas descrições ambientais.
D) “a passividade diante das vicissitudes do curso da vida.”
Correta: ambos os textos destacam a atitude passiva dos personagens ante o fim, sem revolta ou tentativa de alterar o destino.
Estratégias para esse tipo de questão: atente-se aos comportamentos e sentimentos descritos no texto, evitando respostas com interpretações muito literais ou que extrapolem o contexto sugerido.
Referências: Bechara (2009), Cunha & Cintra (2013), Koch & Elias (2006).
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