“É a partir do Realismo, principalmente, que começa a ter maior presença na literatura a figura do herói problemático, o tipo de herói que predomina na literatura atual. Diferente do herói romanesco – aquele cuja força e coragem superam as das pessoas comuns –, o herói problemático normalmente é o ser humano na sua pequenez, cheio de fraquezas, manias e incertezas diante de um mundo no qual se sente deslocado” (CEREJA & COCHAR, 2003, p. 254). A partir desse apontamento em torno do herói problemático, analise os comentários que seguem:
I. Em “[...] Abraçados, como um casal de noivos em plena luxúria da primeira coabitação... Ao pensar nisso, Bom-Crioulo sentia uma febre extraordinária de erotismo, um delírio invencível de gozo pederasta... Agora compreendia nitidamente que só no homem, no próprio homem, ele podia encontrar aquilo que debalde procurara nas mulheres” (Bom-Crioulo, capítulo IV), é possível dizer que, além de uma identidade não totalmente formada, mas em processo, esse herói problemático, Amaro, sofre também a intolerância social porque “nunca se apercebera de semelhante anomalia”.
II. A anomalia de que fala o narrador da ficção, referindo-se ao comportamento homoafetivo de Amaro por Aleixo, restringe a prática ou o exercício cultural da sexualidade a apenas um modelo ou experiência da relação a dois: o heterossexual, valor que corrobora o universo da ficção naturalista, expositora dos “modelos” e dos “desvios” ou “transgressões” das “normas”.
III. Amaro não pode ser considerado um herói problemático porque ele supera os preconceitos com os quais convive, relacionando-se afetivamente com o seu companheiro, Aleixo, vencendo todas as batalhas culturais que poderiam interpretá-lo como menor, inferior, doente, anormal, como sugere o discurso presente nesta ficção ou conforme era interpretado o gay na sociedade do século XIX.
Está(ão) correta(s) a(s) proposição(ões)
I. Em “[...] Abraçados, como um casal de noivos em plena luxúria da primeira coabitação... Ao pensar nisso, Bom-Crioulo sentia uma febre extraordinária de erotismo, um delírio invencível de gozo pederasta... Agora compreendia nitidamente que só no homem, no próprio homem, ele podia encontrar aquilo que debalde procurara nas mulheres” (Bom-Crioulo, capítulo IV), é possível dizer que, além de uma identidade não totalmente formada, mas em processo, esse herói problemático, Amaro, sofre também a intolerância social porque “nunca se apercebera de semelhante anomalia”.
II. A anomalia de que fala o narrador da ficção, referindo-se ao comportamento homoafetivo de Amaro por Aleixo, restringe a prática ou o exercício cultural da sexualidade a apenas um modelo ou experiência da relação a dois: o heterossexual, valor que corrobora o universo da ficção naturalista, expositora dos “modelos” e dos “desvios” ou “transgressões” das “normas”.
III. Amaro não pode ser considerado um herói problemático porque ele supera os preconceitos com os quais convive, relacionando-se afetivamente com o seu companheiro, Aleixo, vencendo todas as batalhas culturais que poderiam interpretá-lo como menor, inferior, doente, anormal, como sugere o discurso presente nesta ficção ou conforme era interpretado o gay na sociedade do século XIX.
Está(ão) correta(s) a(s) proposição(ões)
Gabarito comentado
Alternativa correta: A — I e II, apenas.
Tema central: a mudança do perfil do herói na literatura a partir do Realismo/Naturalismo — surge o “herói problemático”: personagem comum, frágil, com conflitos íntimos e marcado por determinismo social.
Resumo teórico: o Realismo/Naturalismo (final do séc. XIX) privilegia a observação social e biológica, mostrando personagens como produtos de meio e hereditariedade. O “herói problemático” é antiromântico: não vence por força ou ideal, é ambíguo, sujeito a patologias e exclusões. Fontes de referência: Cereja & Cochar (2003); estudos clássicos sobre Realismo e Naturalismo (p.ex. Antonio Candido).
Por que I está correta: o trecho citado de Bom-Crioulo (Adolfo Caminha) evidencia um sujeito em formação identitária e marcado pela descoberta de desejo homoafetivo. O narrador chama isso de “anomalia”, sinalizando a intolerância social e o exame moral/medicalizante típico do naturalismo — logo, Amaro é herói problemático e vítima de exclusão social.
Por que II está correta: a narrativa naturalista frequentemente define um padrão (o heterossexual) e apresenta as variações como desvios ou patologias. A leitura que trata o comportamento de Amaro como “anomalia” reforça exatamente essa lógica de modelos e transgressões típica do Naturalismo.
Por que III está errada: a afirmação de que Amaro “vence todas as batalhas culturais” é falsa frente ao texto e ao contexto histórico. A obra não mostra superação plena do preconceito; ao contrário, expõe estigma, tragédia e marginalização — elementos que consolidam, não negam, sua condição de herói problemático.
Dica de resolução: busque termos-chave no enunciado (“anomalia”, “problemático”, “Naturalismo”) e compare com a postura do narrador/época. Pergunte sempre: o personagem é celebrado como modelo ou é apresentado como fruto de condições sociais/biológicas?
Gostou do comentário? Deixe sua avaliação aqui embaixo!






