Vieira é um homem do século XVII. É possível detectar, no texto de Vieira, características da língua portuguesa que
divergem de seu uso contemporâneo. Pensando nessa diferença entre o português atual e o português usado por
Vieira, considere as seguintes afirmativas:
1. Diferentemente de hoje, o pronome pessoal oblíquo átono antecedia a negação.
2. O “porque” é empregado no texto como conjunção explicativa e sua grafia é a mesma usada atualmente.
3. A conjunção “ou” tem no texto um uso que não é o de alternância.
Assinale a alternativa correta.
Vós, diz Cristo, Senhor nosso, falando com os pregadores, sois o sal da terra: e chama-lhes sal da terra, porque quer que façam na
terra o que faz o sal. O efeito do sal é impedir a corrupção; mas quando a terra se vê tão corrupta como está a nossa, havendo
tantos nela que têm ofício de sal, qual será, ou qual pode ser a causa desta corrupção? Ou é porque o sal não salga, ou porque a
terra se não deixa salgar. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores não pregam a verdadeira doutrina; ou porque a terra se não
deixa salgar e os ouvintes, sendo verdadeira a doutrina que lhes dão, a não querem receber. Ou é porque o sal não salga, e os
pregadores dizem uma cousa e fazem outra; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes querem antes imitar o que eles
fazem, que fazer o que dizem. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores se pregam a si e não a Cristo; ou porque a terra se não
deixa salgar, e os ouvintes, em vez de servir a Cristo, servem a seus apetites. Não é tudo isto verdade? Ainda mal!
(Antônio Vieira, Sermão de Santo Antônio, em: .)
Gabarito comentado
Gabarito: C
Tema central: Variação linguística histórica, com foco em colocação pronominal, uso de conjunções e interpretação textual. É essencial para concursos saber reconhecer como a norma-padrão evoluiu e identificar usos clássicos que já não se empregam no português contemporâneo.
Justificativa da alternativa correta:
Afirmativa 1 – Verdadeira: No texto de Vieira, percebe-se o emprego da colocação pronominal (próclise) antes da negação, o que difere do português atual. Pelo português moderno, a negação (“não”) atrai o pronome oblíquo, porém, a frequência e a liberdade de colocação do pronome no século XVII eram maiores (conforme Evanildo Bechara em "Moderna Gramática Portuguesa"). Assim, Vieira emprega estruturas como “se não deixa salgar”, confirmando a característica apontada.
Afirmativa 2 – Verdadeira: Em “porque”, identificamos seu valor de conjunção explicativa (justificando ideias anteriores) e a grafia permanece igual na norma-padrão atual. Por exemplo: “chama-lhes sal da terra, porque quer que façam na terra o que faz o sal”. O uso e a grafia vêm desde o português clássico, sem alteração quanto a essa função.
Afirmativa 3 – Falsa: A conjunção “ou” no texto de Vieira mantém seu uso clássico de alternância, contrapondo hipóteses ou causas: “Ou é porque o sal não salga, ou porque a terra se não deixa salgar…”. Segundo Cunha & Cintra, “ou” sempre introduz alternativas ou possibilidades.
Análise das alternativas:
(A) Apenas 1 é correta: errada, pois a 2 também é correta.
(B) Apenas 3 é correta: errada, 3 está incorreta.
(C) 1 e 2 corretas: correta.
(D) 2 e 3 corretas: errada, pois 3 é incorreta.
(E) 1, 2 e 3 corretas: errada.
Estratégias para não errar: Atenção às funções sintáticas, à semântica dos conectivos e à relação de causa/alternância no texto. Analise sempre em qual sentido o conectivo está empregado e procure identificar mudanças históricas no uso da língua.
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