“Quem perdia um escravo por fuga dava algum dinheiro a
quem lho levasse.” (4° parágrafo)
Na oração em que está inserido, o termo destacado é um
verbo que pede
“Quem perdia um escravo por fuga dava algum dinheiro a quem lho levasse.” (4° parágrafo)
Na oração em que está inserido, o termo destacado é um verbo que pede
Leia o trecho do conto “Pai contra mãe”, de Machado de
Assis (1839-1908), para responder à questão.
A escravidão levou consigo ofícios e aparelhos, como
terá sucedido a outras instituições sociais. Não cito alguns
aparelhos senão por se ligarem a certo ofício. Um deles
era o ferro ao pescoço, outro o ferro ao pé; havia também
a máscara de folha de flandres. A máscara fazia perder o
vício da embriaguez aos escravos, por lhes tapar a boca.
Tinha só três buracos, dois para ver, um para respirar, e
era fechada atrás da cabeça por um cadeado. Com o vício
de beber, perdiam a tentação de furtar, porque geralmente
era dos vinténs do senhor que eles tiravam com que matar
a sede, e aí ficavam dois pecados extintos, e a sobriedade
e a honestidade certas. Era grotesca tal máscara,
mas a ordem social e humana nem sempre se alcança
sem o grotesco, e alguma vez o cruel. Os funileiros as
tinham penduradas, à venda, na porta das lojas. Mas não
cuidemos de máscaras.
O ferro ao pescoço era aplicado aos escravos fujões.
Imaginai uma coleira grossa, com a haste grossa também,
à direita ou à esquerda, até ao alto da cabeça e fechada
atrás com chave. Pesava, naturalmente, mas era menos
castigo que sinal. Escravo que fugia assim, onde quer que
andasse, mostrava um reincidente, e com pouco era pegado.
Há meio século, os escravos fugiam com frequência.
Eram muitos, e nem todos gostavam da escravidão. Sucedia
ocasionalmente apanharem pancada, e nem todos
gostavam de apanhar pancada. Grande parte era apenas
repreendida; havia alguém de casa que servia de padrinho,
e o mesmo dono não era mau; além disso, o sentimento
da propriedade moderava a ação, porque dinheiro
também dói. A fuga repetia-se, entretanto. Casos houve,
ainda que raros, em que o escravo de contrabando, apenas
comprado no Valongo, deitava a correr, sem conhecer
as ruas da cidade. Dos que seguiam para casa, não raro,
apenas ladinos, pediam ao senhor que lhes marcasse aluguel,
e iam ganhá-lo fora, quitandando.
Quem perdia um escravo por fuga dava algum dinheiro
a quem lho levasse. Punha anúncios nas folhas públicas,
com os sinais do fugido, o nome, a roupa, o defeito
físico, se o tinha, o bairro por onde andava e a quantia de
gratificação. Quando não vinha a quantia, vinha promessa:
“gratificar-se-á generosamente” – ou “receberá uma
boa gratificação”. Muita vez o anúncio trazia em cima ou
ao lado uma vinheta, figura de preto, descalço, correndo,
vara ao ombro, e na ponta uma trouxa. Protestava-se com
todo o rigor da lei contra quem o acoitasse.
Ora, pegar escravos fugidios era um ofício do tempo.
Não seria nobre, mas por ser instrumento da força com
que se mantêm a lei e a propriedade, trazia esta outra
nobreza implícita das ações reivindicadoras. Ninguém se
metia em tal ofício por desfastio ou estudo; a pobreza, a
necessidade de uma achega, a inaptidão para outros trabalhos,
o acaso, e alguma vez o gosto de servir também,
ainda que por outra via, davam o impulso ao homem que
se sentia bastante rijo para pôr ordem à desordem.
(Contos: uma antologia, 1998.)
Leia o trecho do conto “Pai contra mãe”, de Machado de Assis (1839-1908), para responder à questão.
A escravidão levou consigo ofícios e aparelhos, como terá sucedido a outras instituições sociais. Não cito alguns aparelhos senão por se ligarem a certo ofício. Um deles era o ferro ao pescoço, outro o ferro ao pé; havia também a máscara de folha de flandres. A máscara fazia perder o vício da embriaguez aos escravos, por lhes tapar a boca. Tinha só três buracos, dois para ver, um para respirar, e era fechada atrás da cabeça por um cadeado. Com o vício de beber, perdiam a tentação de furtar, porque geralmente era dos vinténs do senhor que eles tiravam com que matar a sede, e aí ficavam dois pecados extintos, e a sobriedade e a honestidade certas. Era grotesca tal máscara, mas a ordem social e humana nem sempre se alcança sem o grotesco, e alguma vez o cruel. Os funileiros as tinham penduradas, à venda, na porta das lojas. Mas não cuidemos de máscaras.
O ferro ao pescoço era aplicado aos escravos fujões. Imaginai uma coleira grossa, com a haste grossa também, à direita ou à esquerda, até ao alto da cabeça e fechada atrás com chave. Pesava, naturalmente, mas era menos castigo que sinal. Escravo que fugia assim, onde quer que andasse, mostrava um reincidente, e com pouco era pegado.
Há meio século, os escravos fugiam com frequência. Eram muitos, e nem todos gostavam da escravidão. Sucedia ocasionalmente apanharem pancada, e nem todos gostavam de apanhar pancada. Grande parte era apenas repreendida; havia alguém de casa que servia de padrinho, e o mesmo dono não era mau; além disso, o sentimento da propriedade moderava a ação, porque dinheiro também dói. A fuga repetia-se, entretanto. Casos houve, ainda que raros, em que o escravo de contrabando, apenas comprado no Valongo, deitava a correr, sem conhecer as ruas da cidade. Dos que seguiam para casa, não raro, apenas ladinos, pediam ao senhor que lhes marcasse aluguel, e iam ganhá-lo fora, quitandando.
Quem perdia um escravo por fuga dava algum dinheiro a quem lho levasse. Punha anúncios nas folhas públicas, com os sinais do fugido, o nome, a roupa, o defeito físico, se o tinha, o bairro por onde andava e a quantia de gratificação. Quando não vinha a quantia, vinha promessa: “gratificar-se-á generosamente” – ou “receberá uma boa gratificação”. Muita vez o anúncio trazia em cima ou ao lado uma vinheta, figura de preto, descalço, correndo, vara ao ombro, e na ponta uma trouxa. Protestava-se com todo o rigor da lei contra quem o acoitasse.
Ora, pegar escravos fugidios era um ofício do tempo. Não seria nobre, mas por ser instrumento da força com que se mantêm a lei e a propriedade, trazia esta outra nobreza implícita das ações reivindicadoras. Ninguém se metia em tal ofício por desfastio ou estudo; a pobreza, a necessidade de uma achega, a inaptidão para outros trabalhos, o acaso, e alguma vez o gosto de servir também, ainda que por outra via, davam o impulso ao homem que se sentia bastante rijo para pôr ordem à desordem.
(Contos: uma antologia, 1998.)