O Bom-Crioulo
Com efeito, Bom-Crioulo não era somente um
homem robusto, uma dessas organizações privilegiadas
que trazem no corpo a sobranceira resistência do bronze
e que esmagam com o peso dos músculos.
[…]
A chibata não lhe fazia mossa; tinha costas de ferro
para resistir como um hércules ao pulso do guardião
Agostinho. Já nem se lembrava do número das vezes que
apanhara de chibata…
[…]
Entretanto, já iam cinquenta chibatadas! Ninguém
lhe ouvira um gemido, nem percebera uma contorção,
um gesto qualquer de dor. Viam-se unicamente naquele
costão negro as marcas do junco, umas sobre as outras,
entrecruzando-se como uma grande teia de aranha,
roxas e latejantes, cortando a pele em todos os sentidos.
[…]
Marinheiros e oficiais, num silêncio concentrado,
alongavam o olhar, cheios de interesse, a cada golpe.
— Cento e cinquenta!
Só então houve quem visse um ponto vermelho, uma
gota rubra deslizar no espinhaço negro do marinheiro e
logo este ponto vermelho se transformar numa fita de
sangue.
CAMINHA, A. O Bom-Crioulo. São Paulo: Martin Claret, 2006.
A prosa naturalista incorpora concepções geradas pelo
cientificismo e pelo determinismo. No fragmento, a cena
de tortura a Bom-Crioulo reproduz essas concepções,
expressas pela
O Bom-Crioulo
Com efeito, Bom-Crioulo não era somente um homem robusto, uma dessas organizações privilegiadas que trazem no corpo a sobranceira resistência do bronze e que esmagam com o peso dos músculos. […] A chibata não lhe fazia mossa; tinha costas de ferro para resistir como um hércules ao pulso do guardião Agostinho. Já nem se lembrava do número das vezes que apanhara de chibata…
[…]
Entretanto, já iam cinquenta chibatadas! Ninguém lhe ouvira um gemido, nem percebera uma contorção, um gesto qualquer de dor. Viam-se unicamente naquele costão negro as marcas do junco, umas sobre as outras, entrecruzando-se como uma grande teia de aranha, roxas e latejantes, cortando a pele em todos os sentidos.
[…]
Marinheiros e oficiais, num silêncio concentrado, alongavam o olhar, cheios de interesse, a cada golpe.
— Cento e cinquenta!
Só então houve quem visse um ponto vermelho, uma gota rubra deslizar no espinhaço negro do marinheiro e logo este ponto vermelho se transformar numa fita de sangue.
CAMINHA, A. O Bom-Crioulo. São Paulo: Martin Claret, 2006.
A prosa naturalista incorpora concepções geradas pelo
cientificismo e pelo determinismo. No fragmento, a cena
de tortura a Bom-Crioulo reproduz essas concepções,
expressas pela
Gabarito comentado
Tema Central: A questão aborda Naturalismo na literatura, especialmente como a obra O Bom-Crioulo incorpora ideias de determinismo e cientificismo para justificar práticas sociais.
Conceitos-Chave: O Naturalismo trata o ser humano como produto de hereditariedade e meio, com ênfase em características biológicas e sociais. Em “O Bom-Crioulo”, a descrição da resistência física serve para legitimar e naturalizar a exploração de um grupo étnico – no caso, a população negra.
Justificativa da Alternativa Correta (A):
A alternativa A está correta porque mostra como a resistência inata de Amaro é exaltada para legitimar maus-tratos e exploração. Este recurso expressa o determinismo biológico típico do Naturalismo, que associa traços físicos a capacidades e funções sociais, normalizando injustiças. O romance expõe este mecanismo ao detalhar a tortura suportada pelo protagonista e a forma como isso é visto pela tripulação – sem empatia, quase como um experimento.
Análise das Alternativas Incorretas:
B) Defesa do estoicismo individual: Errada. Não há valorização da postura filosófica estoica. O foco é biológico, não ético ou de autocontrole emocional.
C) Concepção de espécie predadora/mórbida: Errada. Não se destaca instinto de predador ou morbidez humana, mas sim o uso abusivo da força.
D) Observação detalhada do corpo para identificar raça: Errada. O corpo é descrito para exaltar a resistência, e não para classificar ou diferenciar raças.
E) Apologia à superioridade dos saudáveis: Errada. Não há defesa da “superioridade”; o texto denuncia a naturalização da opressão, e não valoriza positivamente quem resiste.
Estratégias de Interpretação: Busque sempre:
- Palavras que indicam justificativa social/biológica (“privilegiadas”, “costas de ferro”, “hércules”).
- Relações de causa e efeito entre características físicas e práticas sociais.
- Cuidado com alternativas que atraem por palavras de impacto, mas desviam do foco científico-biológico.
Resumo: O Naturalismo usa a ciência da época para justificar injustiças sociais, e a questão (“A”) exige reconhecer esse padrão. Saber diferenciar justificativa biológica de postura ética ou análise racial é crucial para não cair em pegadinhas.
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