Leia o trecho a seguir retirado do conto “A Causa Secreta” e assinale a alternativa correta no que diz respeito ao referido conto e a estética de Machado de Assis.
Fortunato saiu, foi deitar-se no sofá da saleta contígua, e adormeceu logo. Vinte minutos depois acordou, quis dormir outra vez, cochilou alguns minutos, até que se pegue e voltou à sala. Caminhava nas pontas dos pés para não acordar a parenta, que dormia perto. Chegando à porta, estacou assombrado. Garcia tinha-se chegado ao cadáver, levantara o lenço e contemplara por alguns instantes como feições defuntas. Depois, como se a morte espiritualizasse tudo, inclinou-se e beijou-a na testa. Foi nesse momento que Fortunato chegou à porta. Estacou assombrado; não podia ser o beijo da amizade, podia ser o epílogo de um livro adúltero. Não tinha ciúmes, note-se; a natureza compô-lo de maneira que lhe não deu ciúmes nem inveja, mas dera-lhe vaidade, que não é menos cativa ao ressentimento. Olhou assombrado, mordendo os beiços. Entretanto, Garcia inclinou-se ainda para beijar outra vez o cadáver; mas então não pôde mais. O beijo rebentou em soluços, e os olhos não puderam conter como lágrimas, que predomina em borbotões, lágrimas de amor calado, e irremediável desespero. Fortunato, à porta, onde ficara, saboreou tranquilo essa explosão de dor moral que foi longa, muito longa, deliciosamente longa.
(Várias Histórias - Machado de Assis - WM Jackson Inc Editores - 1946.)
Gabarito comentado
Tema central: A questão avalia o entendimento do narrador e análise psicológica em Machado de Assis, especialmente no conto “A Causa Secreta”, além da correta identificação do estilo literário machadiano.
Comentário sobre o tema: Em Machado de Assis, o narrador onisciente em terceira pessoa é fundamental para revelar a psicologia dos personagens. Em “A Causa Secreta”, o leitor tem acesso não só às ações externas, mas principalmente às motivações e pensamentos de Fortunato, descobrindo seu sadismo e prazer diante do sofrimento alheio. Tal recurso é característica marcante do realismo psicológico machadiano, como destaca Alfredo Bosi em “História Concisa da Literatura Brasileira”.
Justificativa da correta (D): A alternativa D é a única que menciona o narrador onisciente em terceira pessoa como responsável por desnudar a mente de Fortunato. Só por meio desse tipo de narrativa o leitor percebe que ele é movido pelo sadismo – busca o prazer no sofrimento dos outros.
Análise das alternativas incorretas:
A) Apresenta erro teórico: o motor psicológico da narrativa não é vingança, ciúme ou honra, e sim o deleite sádico de Fortunato.
B) Errada quanto ao narrador: o conto não é narrado em primeira pessoa, e sim em terceira, tornando impossível a afirmação.
C) Apresenta um conceito inadequado: Machado de Assis não utiliza o realismo fantástico, mas sim o realismo psicológico. Isso é pegadinha comum!
E) Vincula a obra ao naturalismo, o que não se aplica à estética machadiana, focada no indivíduo, não em determinismos sociais ligados à violência coletiva.
Estratégias de prova: Atenção para o tipo de narrador (primeira ou terceira pessoa), tendências literárias (realismo psicológico x naturalismo x realismo fantástico) e o foco nas motivações internas das personagens, não apenas nos fatos externos.
Portanto, a alternativa D é a correta, pois está embasada na análise psicológica permitida pelo narrador onisciente, essencial ao entendimento do conto e da estética literária de Machado de Assis.
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