A aplicação das regras de regência, previstas pelos manuais de gramática da língua portuguesa, só não está adequada
na alternativa:
O animal satisfeito dorme,
Mário Sérgio Cortella
O sempre surpreendente Guimarães Rosa dizia: “o animal satisfeito dorme”. Por trás dessa aparente obviedade está um dos mais
fundos alertas contra o risco de cairmos na monotonia existencial, na redundância afetiva e na indigência intelectual. O que o escritor
tão bem percebeu é que a condição humana perde substância e energia vital toda vez que se sente plenamente confortável com a
maneira como as coisas já estão, rendendo-se à sedução do repouso e imobilizando-se na acomodação.A advertência é preciosa: não esquecer que a satisfação conclui, encerra, termina; a satisfação não deixa margem para a
continuidade, para o prosseguimento, para a persistência, para o desdobramento. A satisfação acalma, limita, amortece.
Por isso, quando alguém diz “fiquei muito satisfeito com você” ou “estou muito satisfeita com teu trabalho”, é assustador. O que se
quer dizer com isso? Que nada mais de mim se deseja? Que o ponto atual é meu limite e, portanto, minha possibilidade? Que de
mim nada mais além se pode esperar? Que está bom como está? Assim seria apavorante; passaria a ideia de que desse jeito já
basta. Ora, o agradável é quando alguém diz: “teu trabalho (ou carinho, ou comida, ou aula, ou texto, ou música etc.) é bom, fiquei
muito insatisfeito e, portanto, quero mais, quero continuar, quero conhecer outras coisas.Um bom filme não é exatamente aquele que, quando termina, ficamos insatisfeitos, parados, olhando, quietos, para a tela, enquanto
passam os letreiros, desejando que não cesse? Um bom livro não é aquele que, quando encerramos a leitura, o deixamos um pouco
apoiado no colo, absortos e distantes, pensando que não poderia terminar? Uma boa festa, um bom jogo, um bom passeio, uma
boa cerimônia não é aquela que queremos que se prolongue?Com a vida de cada um e de cada uma também tem de ser assim; afinal de contas, não nascemos prontos e acabados. Ainda bem,
pois estar satisfeito consigo mesmo é considerar-se terminado e constrangido ao possível da condição do momento. Quando crianças (só as crianças?), muitas vezes, diante da tensão provocada por algum desafio que exigia esforço (estudar, treinar,
EMAGRECER etc.) ficávamos preocupados e irritados, sonhando e pensando: por que a gente já não nasce pronto, sabendo todas
as coisas? Bela e ingênua perspectiva. É fundamental não nascermos sabendo e nem prontos; o ser que nasce sabendo não terá
novidades, só reiterações. Somos seres de insatisfação e precisamos ter nisso alguma dose de ambição; todavia, ambição é
diferente de ganância, dado que o ambicioso quer mais e melhor, enquanto que o ganancioso quer só para si próprio.Nascer sabendo é uma limitação porque obriga a apenas repetir e, nunca, a criar, inovar, refazer, modificar. Quanto mais se nasce
pronto, mais refém do que já se sabe e, portanto, do passado; aprender sempre é o que mais impede que nos tornemos prisioneiros
de situações que, por serem inéditas, não saberíamos enfrentar.Diante dessa realidade, é absurdo acreditar na ideia de que uma pessoa, quanto mais vive, mais velha fica; para que alguém quanto
mais vivesse mais velho ficasse, teria de ter nascido pronto e ir se gastando… Isso não ocorre com gente, e sim com fogão, sapato, geladeira. Gente não nasce pronta e vai se gastando; gente nasce não-pronta,
e vai se fazendo. Eu, no ano que estamos, sou a minha mais nova edição (revista e, às vezes, um pouco ampliada); o mais velho
de mim (se é o tempo a medida) está no meu passado e não no presente. Demora um pouco para entender tudo isso; aliás, como falou o mesmo Guimarães, “não convém fazer escândalo de começo; só
aos poucos é que o escuro é claro”…
Excerto do livro “Não nascemos prontos! – provocações filosóficas”. De Mário Sérgio Cortella.
Disponível em:<http://www.contioutra.com/o-animal-satisfeito-dorme-texto-de-mario-sergio-cortella/>
Gabarito comentado
Tema central da questão: Regência verbal, que estuda qual o tipo de complemento um verbo exige e se há necessidade de preposição. Dominar esse tema é essencial, pois muitos verbos mudam de significado conforme a regência, podendo causar dúvidas ou pegadinhas em provas de concursos e vestibulares.
Justificativa da alternativa correta:
Alternativa A - “assistimos o jogo” apresenta erro de regência verbal. Segundo a norma-padrão, quando “assistir” tem o sentido de “ver, presenciar”, é verbo transitivo indireto e exige preposição “a”. O correto, portanto, é “assistimos ao jogo”. Essa é uma das confusões mais comuns em português, pois na língua falada muitas vezes omitimos a preposição, mas a banca cobra sempre a forma culta.
Análise das alternativas incorretas:
B) “Informaram-lhe todas as datas...” – Está correta. O verbo “informar” exige objeto direto (o conteúdo da informação) e indireto (a quem se informa). O pronome “lhe” cumpre essa função.
C) “Comunicaram-no de tudo...” – Podemos estranhar, mas está aceitável de acordo com algumas gramáticas (Bechara e Cunha & Cintra), pois “comunicar” aceita objeto direto (“o referente comunicado”) e a preposição “de” introduz informação suplementar. No entanto, é mais usual o uso com “informaram-lhe” e “comunicaram-lhe”, mas a presença de “-no” não fere a regência normativa, já que “comunicar algo a alguém”.
D) “visavam a alcançar” – Corretíssima! Quando indica objetivo, o verbo “visar” é transitivo indireto e exige “a” (“alcançar” é o complemento).
E) “Eustácio namora Leocádia” – Está correta. “Namorar” é transitivo direto e não pede preposição.
Estratégias e Pegadinhas: Fique atento a verbos “traiçoeiros”, como assistir (ver = “a”), namorar (não exige preposição) e visar (objetivo = “a”). A leitura atenta e a lembrança dessas relações evitam muitos erros em provas.
Referências: Bechara, Moderna Gramática Portuguesa; Cunha & Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo.
Gostou do comentário? Deixe sua avaliação aqui embaixo!






