Usando um conectivo para unir as
orações em: “O médico que não
estuda é mais do que irresponsável,
coloca em risco a vida alheia”, temse:
Texto: Aos estudantes de
Medicina
Na coluna de hoje vou resumir-lhes
as lições mais importantes que
aprendi em quarenta anos de
atividade clínica. Na verdade, a ideia
de reuni-las surgiu semanas atrás
quando o diretor Wolf Maia me
convidou para fazer uma pequena
palestra para atrizes e atores que
interpretavam papéis de estudantes
de medicina numa cena da novela
das nove. “Haverá uma classe com
alunos e nenhuma dramaturgia, diga
o que quiser”, propôs ele.
Hesitei diante do convite inusitado,
mas no fim achei que seria boa
oportunidade para dizer aos alunos:
1- Tenham sempre em mente que
encontrarão mais dificuldade para
receber os cuidados de vocês
justamente as pessoas que mais
necessitarão deles.
O médico deve lutar por condições
dignas de trabalho e por
remuneração condizente com as
exigências do exercício profissional,
mas sem esquecer de cobrar da
sociedade o acesso universal dos
brasileiros ao sistema de saúde.
2- É fundamental ouvir as queixas
dos doentes. Sem ouvi-las com
atenção, como descobrir o mal que
os aflige?
Embora as características do
atendimento em ambulatórios,
hospitais e unidades de saúde criem
restrições de tempo, cabe a nós
exigirmos para cada consulta a
duração mínima que nos permita
recolher as informações imprescindíveis. Com a prática
vocês verão que ficará mais fácil,
porque aprenderão a orientar o
interrogatório, especialmente no
caso de pessoas prolixas e pouco
objetivas. O desconhecimento da
história e da evolução da
enfermidade é causa de erros
graves.
3- Medicina se faz com as mãos. Os
exames laboratoriais e as imagens
radiológicas ajudam bastante, mas
não substituem o exame físico. Esse
ensinamento dos tempos de
Hipócrates deve ser repetido à
exaustão, porque a tendência do
ensino nas faculdades tem sido a
ênfase nos exames subsidiários em
prejuízo da palpação, da ausculta e
da observação atenta aos sinais que
o corpo emite.
Como consequência, cada vez são
mais frequentes as queixas de que o
médico pediu e analisou os exames
e preencheu a prescrição sem
chegar perto do doente. Não culpem
a falta de tempo nem tenham
preguiça, em cinco minutos é
possível fazer um exame físico
razoável. Tocar o corpo do outro faz
parte dos fundamentos de nossa
profissão.
4- Procurem colocar-se na pele da
pessoa enferma. Quanto mais
empatia houver, mais fácil será
compreender suas angústias, seus
desejos e seu modo de encarar a
vida. Não cabe ao médico fazer
julgamentos morais, impor soluções
nem decidir por ela, mas orientá-la
para encontrar o caminho que mais
atenda suas necessidades.
5- Medicina é profissão para quem
gosta muito. Exige do estudante bem
mais do que as outras: são seis anos de graduação, dos quais os dois
últimos dedicados ao internato, que
não por acaso recebeu esse nome.
Depois vem a residência, com três,
quatro e até cinco anos de duração.
O dia inteiro nos hospitais públicos,
os plantões de vinte e quatro horas,
as jornadas intermináveis.
É a única profissão que obriga o
trabalhador a cumprir horários que a
abolição da escravatura eliminou.
Por exemplo, trabalhar o dia inteiro,
entrar no plantão noturno e emendar
o expediente do dia seguinte; trinta e
seis horas sem dormir. Existe outra
categoria de profissionais em que
essa prática desumana faça parte da
rotina?
Se o exercício da medicina já é
árduo para os apaixonados por ela,
é possível que se torne insuportável
para os demais. Se vocês
escolheram segui-la apenas em
busca de reconhecimento social ou
recompensa financeira, estão no
caminho errado, existem opções
menos sacrificadas e bem mais
vantajosas.
6- Medicina é para quem pretende
estudar a vida inteira. É para gente
curiosa que tem fascínio pelo
funcionamento corpo humano e quer
aprender como ele reage nas
diversas circunstâncias que se
apresentam.
O médico que não estuda é mais do
que irresponsável, coloca em risco a
vida alheia.
7- Finalmente, para que foi criada a
medicina? Qual a função desse
ofício que resiste à passagem dos
séculos? Embora a arte de curar
encante os jovens e encha de prazer
os mais experientes, não é esse o
papel mais importante do médico. É interminável a lista de doenças que
não sabemos curar.
A finalidade primordial de nossa
profissão é aliviar o sofrimento
humano.
(Drauzio Varella é médico
cancerologista e escritor. Foi um dos
pioneiros no tratamento da aids no
Brasil. Disponível em
https://drauziovarella.uol.com.br/dra
uzio/aos-estudantes-de-medicina/)
Gabarito comentado
Tema central da questão: Coesão e coerência textual — mais especificamente, o correto emprego de conjunções coordenativas explicativas para unir orações segundo o sentido pretendido pelo texto.
O trecho questionado apresenta duas orações: “O médico que não estuda é mais do que irresponsável, coloca em risco a vida alheia.” A intenção é demonstrar que o médico é irresponsável porque coloca em risco vidas — ou seja, a segunda oração explica a afirmação da primeira.
Segundo a norma-padrão (ver Evanildo Bechara, Moderna Gramática Portuguesa, e Cunha & Cintra), orações explicativas são unidas por conjunções como pois, porque ou porquanto. Essas palavras estabelecem a relação de explicação ou justificativa, essencial para a coerência textual.
Análise da alternativa correta:
C) O médico que não estuda é mais do que irresponsável, pois coloca em risco a vida alheia.
A conjunção “pois” é explicativa, esclarecendo por que o médico é mais do que irresponsável: pelo risco que representa. Portanto, mantém-se o sentido original da frase e respeita-se a norma-padrão.
Por que as demais alternativas estão incorretas?
A) “embora” e E) “ainda que”: indicam concessão, ou seja, admitem contraste, e não justificativa. Alteram o sentido: não se explica o motivo da irresponsabilidade, mas relativiza-se a ação.
B) “todavia” e D) “entretanto”: são conjunções adversativas (oposição). Não se trata de opor e sim de explicar. Além disso, forma verbal em “coloque” (subjuntivo) está inadequada para esse contexto.
Dica para provas: Sempre identifique a relação de sentido entre as orações antes de escolher o conectivo. Lembre-se: pois, porque → explicação; embora, ainda que → concessão; todavia, entretanto → adversidade.
Resumo: O gabarito é C, pois somente “pois” estabelece a necessária explicação, mantendo a coesão e a coerência textuais conforme a norma-padrão.
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