Questão 099a1a78-b1
Prova:FATEC 2014
Disciplina:Português
Assunto:Morfologia - Verbos, Flexão de voz (ativa, passiva, reflexiva)

Observe o trecho do texto: “e assim recebi o livro na mão(...)”


Ao passar a oração sublinhada nesse trecho para a voz passiva analítica, teremos:

Felicidade Clandestina

Clarice Lispector

      Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados. Tinha um busto enorme, enquanto nós todas ainda éramos achatadas. (...) Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria. (...)

      Ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia.

      Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía As reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato.

      Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E, completamente acima de minhas posses. Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte e que ela o emprestaria. (...)

      No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo. Boquiaberta, saí devagar, mas em breve a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a andar pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas de Recife. Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez.

      Mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da filha do dono da livraria era tranquilo e diabólico. No dia seguinte lá estava eu à porta de sua casa, com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a resposta calma: o livro ainda não estava em seu poder, que eu voltasse no dia seguinte. (...) E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. (...) Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer. Às vezes ela dizia: pois o livro esteve comigo ontem, mas você só veio de manhã, de modo que o emprestei a outra menina. (...)

      Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe. Ela devia estar estranhando a aparição muda e diária daquela menina à porta de sua casa. Pediu explicações a nós duas. Houve uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras pouco elucidativas. A senhora achava cada vez mais estranho o fato de não estar entendendo. Até que essa mãe boa entendeu. Voltou-se para a filha e com enorme surpresa exclamou: mas este livro nunca saiu daqui de casa e você nem quis ler!(...)

      Foi então que, finalmente se refazendo, disse firme e calma para a filha: você vai emprestar o livro agora mesmo. E para mim: “E você fica com o livro por quanto tempo quiser.” Entendem? Valia mais do que me dar o livro: “pelo tempo que eu quisesse” é tudo o que uma pessoa, grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer.

      Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. (...) Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. (...) Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre ia ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada. (...)

(http://tinyurl.com/veele-contos Acesso em: 27.08.14. Adaptado)

A
O livro era recebido por mim.
B
O livro é recebido por mim.
C
O livro será recebido por mim.
D
O livro foi recebido por mim.
E
O livro seria recebido por mim.

Gabarito comentado

A
Alexandre SouzaMonitor do Qconcursos

Tema central da questão:
A questão aborda morfologia verbal, mais especificamente a transformação de frases da voz ativa para a voz passiva analítica. Esse tipo de estrutura é fundamental tanto para coesão quanto para clareza textual, habilidades exigidas em provas de vestibular.

Justificativa da alternativa correta (D):
A frase original no texto ("recebi o livro na mão") está na voz ativa, onde o sujeito ("eu", oculto) pratica a ação. Para transformá-la em voz passiva analítica, o objeto direto (“o livro”) torna-se o sujeito paciente da passiva.

Segundo a norma-padrão (Cunha & Cintra, Bechara), a estrutura é:
Sujeito paciente + verbo "ser" (mesmo tempo da ativa) + particípio + agente (“por mim”).
Com isso, temos:
“O livro foi recebido por mim.”

O verbo auxiliar “foi” está no pretérito perfeito, igual ao “recebi”. O agente da passiva (“por mim”) corresponde ao sujeito da ativa. Assim, a alternativa D é a única correta.

Análise das alternativas incorretas:

A) “O livro era recebido por mim.” — “Era recebido” está no pretérito imperfeito, diferente do tempo do original.
B) “O livro é recebido por mim.” — “É recebido” está no presente.
C) “O livro será recebido por mim.” — “Será recebido” está no futuro do presente.
E) “O livro seria recebido por mim.” — “Seria recebido” está no futuro do pretérito.
Todas divergem no tempo verbal.

Dica de prova:
Sempre identifique o tempo do verbo na frase de origem, pois trocas sutis do tempo verbal são pegadinhas frequentes!

Referências: Bechara (Moderna Gramática Portuguesa), Cunha & Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo), Rocha Lima.

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