INSTRUÇÃO: Para responder à questão 32, leia o trecho a seguir, retirado de Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis.

“Ultimamente, restituído à forma humana, vi chegar um hipopótamo, que me arrebatou. Deixei-me ir, calado, não sei se por medo ou confiança; mas, dentro em pouco, a carreira de tal modo se tornou vertiginosa, que me atrevi a interrogá-lo, e com alguma arte lhe disse que a viagem me parecia sem destino.

– Engana-se, replicou o animal, nós vamos à origem dos séculos.

Insinuei que deveria ser muitíssimo longe; mas o hipopótamo não me entendeu ou não me ouviu, se é que não fingiu uma dessas coisas, e, perguntando-lhe, visto que ele falava, se era descendente do cavalo de Aquiles ou da asna de Balaão, retorquiu-me com um gesto peculiar a estes dois quadrúpedes: abanou as orelhas. Pela minha parte fechei os olhos e deixei-me ir à ventura. Já agora não se me dá de confessar que sentia umas tais ou quais cócegas de curiosidade, por saber onde ficava a origem do Nilo, e sobretudo se valia alguma coisa mais ou menos que a consumação dos mesmos séculos: reflexões de cérebro enfermo. Como ia de olhos fechados, não via o caminho; lembra-me só que a sensação de frio aumentava com a jornada, e que chegou uma ocasião em que me pareceu entrar na região dos gelos eternos.”

Todas as afirmativas estão corretamente associadas ao texto, EXCETO:

Tema central: A questão aborda o uso da ironia, personificação e referências mitológicas no trecho de Memórias Póstumas de Brás Cubas, além de analisar os efeitos desses recursos sobre a narrativa.

Entendendo o texto: O excerto traz Brás Cubas em uma jornada delirante, montado em um hipopótamo personificado. Machado de Assis utiliza ironia e elementos fantásticos para promover reflexões filosóficas, colocando o leitor diante de uma viagem absurda e cheia de referências mitológicas usadas com humor.

Justificativa da alternativa correta (D):
A alternativa D afirma que “o narrador vale-se do recurso da humanização dos animais para expressar o sentimento de medo ao enfrentar uma viagem sem destino”. Este ponto está incorreto.

Embora haja a humanização do hipopótamo (personificação), essa técnica serve para criar ironia e provocar estranhamento, não especificamente para expressar o medo do narrador. O trecho indica curiosidade, reflexão e até passividade, mas não um medo intenso, nem liga a personificação a essa emoção. Portanto, D não corresponde ao que está no texto, sendo a exceção pedida pelo comando da questão.

Análise das alternativas incorretas:

A) Correta: O questionamento interno do protagonista mostra a dualidade do eu e da realidade – uma influência do pensamento científico/psicanalítico do século XIX, próprio de Machado de Assis.
B) Correta: A ironia aparece na cena absurda do hipopótamo “filosófico”, característica típica do autor.
C) Correta: Destaca corretamente que a viagem é fruto de um delírio machadiano, não uma jornada literal.
E) Correta: As menções a Aquiles e Balaão são mitológicas e usadas com humor refinado, em consonância com o estilo do livro.

Estratégia para provas: Em textos narrativos, busque identificar qual é a função do recurso literário (como ironia ou personificação). Nem sempre o uso desses recursos significa expressão de sentimento; atenção ao efeito produzido no texto. Cuidado também com generalizações (“todo personificação expressa sentimentos”) ou palavras de sentido absoluto.

Compreendendo o papel da ironia, da viagem delirante e da função da personificação em Machado, você estará melhor preparado para questões de interpretação e literatura machadiana.

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