Fobias
Não sei como se chamaria o medo de não ter o que ler. Existem as conhecidas claustrofobia (medo de lugares
fechados), agorafobia (medo de espaços abertos), acrofobia (medo de altura), collorfobia (medo do que ele vai nos
aprontar agora) e as menos conhecidas ailurofobia (medo de gatos), iatrofobia (medo de médicos) e até treiskaidekafobia
(medo do número treze), mas o pânico de estar, por exemplo, num quarto de hotel, com insônia, sem nada para ler não sei
que nome tem. É uma das minhas neuroses. O vício que lhe dá origem é a gutembergomania, uma dependência
patológica na palavra impressa. Na falta dela, qualquer palavra serve. Já saí de cama de hotel no meio da noite e entrei no
banheiro para ver se as torneiras tinham “Frio” e “Quente” escritos por extenso, para saciar minha sede de letras. Já ajeitei
o travesseiro, ajustei a luz e abri a lista telefônica, tentando me convencer que, pelo menos no número de personagens,
seria um razoável substituto para um romance russo. Já revirei cobertores e lençóis, à procura de uma etiqueta, qualquer
coisa.
Alguns hotéis brasileiros imitam os americanos e deixam uma Bíblia no quarto, e ela tem sido a minha salvação,
embora não no modo pretendido. Nada como um best-seller numa hora dessas. A Bíblia tem tudo para acompanhar uma
insônia: enredo fantástico, grandes personagens, romance, o sexo em todas as suas formas, ação, paixão, violência – e
uma mensagem positiva. Recomendo “Gênesis” pelo ímpeto narrativo, “O cântico dos cânticos” pela poesia e “Isaías” e
“João” pela força dramática, mesmo que seja difícil dormir depois do Apocalipse.
Mas, e quando não tem nem a Bíblia? Uma vez liguei para a telefonista de madrugada e pedi uma Amiga.
- Desculpe, cavalheiro, mas o hotel não fornece companhia feminina...
- Você não entendeu! Eu quero uma revista Amiga, Capricho, Vida Rotariana, qualquer coisa.
- Infelizmente, não tenho nenhuma revista.
- Não é possível! O que você faz durante a noite?
- Tricô.
Uma esperança!
- Com manual?
- Não.
Danação.
- Você não tem nada para ler?
- Bem ... Tem uma carta da mamãe.
- Manda!
(VERÍSSIMO, L. F. Comédias para se ler na escola. São Paulo: Objetiva, 2001.)