[...] no tempo em que se passavam os fatos que vamos
narrando nada mais havia comum do que ter cada casa um,
dois e às vezes mais agregados.
Em certas casas os agregados eram muito úteis, porque
a família tirava grande proveito de seus serviços, e já tivemos
ocasião de dar exemplo disso quando contamos a história
do finado padrinho de Leonardo; outras vezes porém, e estas eram maior número, o agregado, refinado vadio, era uma
verdadeira parasita que se prendia à árvore familiar, que lhe
participava da seiva sem ajudá-la a dar frutos, e o que é mais
ainda, chegava mesmo a dar cabo dela. E o caso é que, apesar de tudo, se na primeira hipótese o esmagavam com o
peso de mil exigências, se lhe batiam a cada passo com os
favores na cara, se o filho mais velho da casa, por exemplo,
o tomava por seu divertimento, e à menor e mais justa queixa saltavam-lhe os pais em cima tomando o partido de seu
filho, no segundo aturavam quanto desconcerto havia com
paciência de mártir, o agregado tornava-se quase um rei em
casa, punha, dispunha, castigava os escravos, ralhava com
os filhos, intervinha enfim nos mais particulares negócios.
Em qual dos dois casos estava ou viria estar em breve
o nosso amigo Leonardo? O leitor que decida pelo que se
vai passar.
(Manuel Antônio de Almeida. Memórias de um Sargento de Milícias, 1994.)