Questão fd7db658-06
Prova:UNICENTRO 2015
Disciplina:Literatura
Assunto:Modernismo, Escolas Literárias

A respeito da autora e de sua obra, assinale a alternativa correta.

Leia o conto a seguir e responda à questão.

Preciosidade (para Mafalda)

De manhã cedo era sempre a mesma coisa renovada: acordar. O que era vagaroso, desdobrado, vasto. Vastamente ela abria os olhos. Tinha quinze anos e não era bonita. Mas por dentro da magreza, a vastidão quase majestosa em que se movia como dentro de uma meditação. E dentro da nebulosidade algo precioso. Que não se espreguiçava, não se comprometia, não se contaminava. Que era intenso como uma joia. Ela acordava antes de todos, pois para ir à escola teria que pegar um ônibus e um bonde, o que lhe tomaria uma hora. O que lhe daria uma hora. De devaneio agudo como um crime. O vento da manhã violentando a janela e o rosto até que os lábios ficavam duros, gelados. Então ela sorria. Como se sorrir fosse em si um objetivo. Tudo isso aconteceria se tivesse a sorte de “ninguém olhar para ela”. Era uma manhã ainda mais fria e escura que as outras, ela estremeceu no suéter. A branca nebulosidade deixava o fim da rua invisível. Tudo estava algodoado, não se ouviu sequer o ruído de algum ônibus que passasse pela avenida. Foi andando para o imprevisível da rua. As casas dormiam nas portas fechadas. Os jardins endurecidos de frio. No ar escuro, mais que no céu, no meio da rua uma estrela. Uma grande estrela de gelo que não voltara ainda, incerta no ar, úmida, informe. Surpreendida no seu atraso, arredondava- -se na hesitação. Ela olhou a estrela próxima. Caminhava sozinha na cidade bombardeada. Não, ela não estava sozinha. Com os olhos franzidos pela incredulidade no fim longínquo de sua rua, de dentro do vapor, viu dois homens. Dois rapazes vindo. Olhou ao redor como se pudesse ter errado de rua ou de cidade. Mas errara os minutos: saíra de casa antes que a estrela e dois homens tivessem tempo de sumir. Seu coração se espantou. O que se seguiu foram quatro mãos difíceis, foram quatro mãos que não sabiam o que queriam, quatro mãos erradas de quem não tinha a vocação, quatro mãos que a tocaram tão inesperadamente que ela fez a coisa mais certa que poderia ter feito no mundo dos movimentos: ficou paralisada. Eles, cujo papel predeterminado era apenas o de passar junto do escuro de seu medo, e então o primeiro dos sete mistérios cairia; eles que representariam apenas o horizonte de um só passo aproximado, eles não compreenderam a função que tinham e, com a individualidade dos que têm medo, haviam atacado. Foi menos de uma fração de segundo na rua tranquila. Numa fração de segundo a tocaram como se a eles coubessem todos os sete mistérios. Que ela conservou todos, e mais larva se tornou, e mais sete anos de atraso. Quando foi molhar os cabelos diante do espelho, ela era tão feia. Ela possuía tão pouco, e eles haviam tocado. Ela era tão feia e preciosa. Estava pálida, os traços afinados. As mãos, umedecendo os cabelos, sujas de tinta ainda do dia anterior. “Preciso cuidar mais de mim”, pensou. Não sabia como. A verdade é que cada vez sabia menos como. A expressão do nariz era a de um focinho apontando na cerca. Voltou ao banco e ficou quieta, com um focinho. “Uma pessoa não é nada.” “Não”, retrucou-se em mole protesto, “não diga isso”, pensou com bondade e melancolia. “Uma pessoa é alguma coisa”, disse por gentileza. Mas no jantar a vida tomou um senso imediato e histérico:
– Preciso de sapatos novos! Os meus fazem muito barulho, uma mulher não pode andar com salto de madeira, chama muita atenção! Ninguém me dá nada! Ninguém me dá nada! – e estava tão frenética e estertorada que ninguém teve coragem de lhe dizer que não os ganharia. Só disseram:
– Você não é uma mulher e todo salto é de madeira. Até que, assim como uma pessoa engorda, ela deixou, sem saber por que processo, de ser preciosa. Há uma obscura lei que faz com que se proteja o ovo até que nasça o pinto, pássaro de fogo. E ela ganhou os sapatos novos.

(LISPECTOR, C. Laços de Família. São Paulo: Rocco, 1998. p.95-108.)

A
É considerada uma das mais renomadas escritoras do século XX, tendo publicado livros de vários gêneros literários a partir de uma visão intimista da realidade.
B
É uma das maiores escritoras brasileiras do século XIX, apresentando predominantemente, em seus livros, o regionalismo nordestino a partir de um tom saudosista.
C
Escreveu apenas contos, sendo seu livro mais famoso A Hora da Estrela, cuja temática está ligada à vida do nordestino em São Paulo.
D
Publicou em vida apenas um livro: Laços de Família. Isso se deu porque a escritora começou sua carreira tardiamente.
E
Tornou-se um ícone da literatura brasileira do século XIX por suas peças de teatro, cuja temática se liga predominantemente à questão feminina.

Gabarito comentado

L
Leopoldo Garcia Monitor do Qconcursos

Tema central: A questão avalia o conhecimento sobre Clarice Lispector, sua relevância literária e as características básicas de sua produção no contexto das escolas literárias brasileiras do século XX. Esse tipo de questão exige domínio sobre biografia, gêneros, temáticas e posicionamento da autora na história da literatura.

Justificativa da alternativa correta (A):

Clarice Lispector é unanimemente reconhecida por sua visão intimista da realidade, fazendo uso da introspecção psicológica e da análise existencial dos personagens. Sua produção abrange romances (“Perto do Coração Selvagem”), contos (“Laços de Família”) e ensaios, além de escrever para diversos públicos e estilos. Por isso, é corretamente citada como uma das mais renomadas escritoras do século XX, com produção em vários gêneros e visão marcada pela interioridade.

Vale lembrar que, conforme os clássicos manuais preparatórios (como “Literatura Brasileira” de William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães), Clarice inovou o tratamento do feminino e do existencial na literatura brasileira, sem se limitar a regionalismos ou gêneros únicos.

Análise das alternativas incorretas:

B) Erro: Diz que escreveu no século XIX e explora regionalismo nordestino—duas características que não pertencem à autora. Ela é do século XX e não centra sua obra em regionalismos.

C) Pegadinha: Afirma que escreveu “apenas contos” e associa “A Hora da Estrela” (que é romance, não conto) à temática do nordestino em São Paulo—o correto é nordestina no Rio de Janeiro.

D) Generalização incorreta: Fala que publicou só um livro e começou tarde. Ela escreveu muitos livros durante toda sua carreira, iniciando ainda jovem (primeiro romance aos 24 anos).

E) Invertem século e gênero: Alega que Lispector destacou-se por peças teatrais e no século XIX. Ela é escritora do século XX, sendo conhecida por romances e contos, não teatro.

Dicas para futuras questões: Observe sempre datas, gêneros e localizações das obras, pois os enunciados frequentemente trocam essas informações para confundir candidatos! Releia o enunciado atentamente e destaque palavras-chave.

Gabarito: A

Gostou do comentário? Deixe sua avaliação aqui embaixo!

Estatísticas

Aulas sobre o assunto

Questões para exercitar

Artigos relacionados

Dicas de estudo