DESENREDO
Adélia Prado
Grande admiração me causam os navios
e a letra de certas pessoas que esforço por imitar.
Dos meus, só eu conheço o mar.
Conto e reconto, eles dizem “anh”.
E continuam cercando o galinheiro de tela.
Falo da espuma, do tamanho cansativo das águas,
eles nem lembram que tem o Quênia,
nem de leve adivinham que estou pensando em Tanzânia.
Afainosos me mostram o lote: aqui vai ser a cozinha,
logo ali a horta de couve.
Não sei o que fazer com o litoral.
Fazia tarde bonita quando me inseri na janela, entre meus tios,
e vi o homem com a braguilha aberta,
o pé de rosa-doida enjerizado de rosas.
Horas e horas conversamos inconscientemente em português
como se fora esta a única língua do mundo.
Antes e depois da fé eu pergunto cadê os meus que se foram,
porque sou humana, com capricho tampo o restinho de molho na panela.
Saberemos viver uma vida melhor que esta,
quando mesmo chorando é tão bom estarmos juntos?
Sofrer não é em língua nenhuma.
Sofri e sofro em Minas Gerais e na beira do oceano.
Estarreço de estar viva. Ó luar do sertão,
ó matas que não preciso ver pra me perder,
ó cidades grandes, Estados do Brasil que amo como se os tivesse inventado.
Ser brasileiro me determina de modo emocionante
e isto, que posso chamar de destino, sem pecar,
descansa meu bem querer.
Tudo junto é inteligível demais e eu não suporto.
Valha-me noite que me cobre de sono.
O pensamento da morte não se acostuma comigo.
Estremecerei de susto até dormir.
E no entanto é tudo tão pequeno.
Para o desejo do meu coração
o mar é uma gota.
Disponível em: <http://bernardesdemoura.blogspot.com.br/2004/12/adlia-prado.html> . Acesso em: 24 nov. 2017.
Ao ler o poema apresentado, que faz uma leitura do Brasil considerando vários elementos
da paisagem, do território e da formação do País a partir da perspectiva de uma geografia
histórica, é correto afirmar que
DESENREDO
Adélia Prado
Grande admiração me causam os navios
e a letra de certas pessoas que esforço por imitar.
Dos meus, só eu conheço o mar.
Conto e reconto, eles dizem “anh”.
E continuam cercando o galinheiro de tela.
Falo da espuma, do tamanho cansativo das águas,
eles nem lembram que tem o Quênia,
nem de leve adivinham que estou pensando em Tanzânia.
Afainosos me mostram o lote: aqui vai ser a cozinha,
logo ali a horta de couve.
Não sei o que fazer com o litoral.
Fazia tarde bonita quando me inseri na janela, entre meus tios,
e vi o homem com a braguilha aberta,
o pé de rosa-doida enjerizado de rosas.
Horas e horas conversamos inconscientemente em português
como se fora esta a única língua do mundo.
Antes e depois da fé eu pergunto cadê os meus que se foram,
porque sou humana, com capricho tampo o restinho de molho na panela.
Saberemos viver uma vida melhor que esta,
quando mesmo chorando é tão bom estarmos juntos?
Sofrer não é em língua nenhuma.
Sofri e sofro em Minas Gerais e na beira do oceano.
Estarreço de estar viva. Ó luar do sertão,
ó matas que não preciso ver pra me perder,
ó cidades grandes, Estados do Brasil que amo como se os tivesse inventado.
Ser brasileiro me determina de modo emocionante
e isto, que posso chamar de destino, sem pecar,
descansa meu bem querer.
Tudo junto é inteligível demais e eu não suporto.
Valha-me noite que me cobre de sono.
O pensamento da morte não se acostuma comigo.
Estremecerei de susto até dormir.
E no entanto é tudo tão pequeno.
Para o desejo do meu coração
o mar é uma gota.
Disponível em: <http://bernardesdemoura.blogspot.com.br/2004/12/adlia-prado.html>
Ao ler o poema apresentado, que faz uma leitura do Brasil considerando vários elementos
da paisagem, do território e da formação do País a partir da perspectiva de uma geografia
histórica, é correto afirmar que
a oposição entre Sertão e Litoral teve papel determinante no pensamento social brasileiro.
os “Estados do Brasil” resultam de um processo natural, não podendo ter sido inventados.
a natureza foi desconsiderada no processo de formação identitária da nação brasileira.
Minas Gerais, distante do Mar, não manteve relações com a África em sua formação socioterritorial.
Gabarito comentado
Gabarito: Alternativa A
Tema central: leitura da formação do Brasil pela lente da Geografia Histórica — em particular a oposição entre sertão e litoral como elemento estruturante da paisagem social e da identidade nacional.
Resumo teórico: A Geografia Histórica estuda como o espaço e as regiões foram construídos por processos sociais e históricos. Obras clássicas, como Euclides da Cunha (Os Sertões, 1902), mostram que a dicotomia litoral/sertão marcou o pensamento sobre o Brasil: o litoral como “civilização” (portos, economia exportadora) e o sertão como interior resistente, configurando conflitos sociais e simbólicos. Milton Santos (O Espaço Dividido) complementa mostrando que o espaço é produto de relações sociais e econômicas — não algo naturalmente dado.
Por que a alternativa A está correta: o poema traz imagens explícitas do sertão, do litoral, de Minas Gerais, do mar e das cidades — evidenciando que a experiência brasileira é regulada por contrastes regionais e afetivos. Essa tensão entre interior e costa é exatamente o tipo de categoria que a Geografia Histórica considera determinante para o pensamento social brasileiro, tal como registrado por Euclides da Cunha e por historiadores e geógrafos subsequentes.
Análise das alternativas incorretas:
B — Incorreta. Dizer que os “Estados do Brasil” resultam de um processo natural é equívoco: unidades federativas são construções históricas e políticas (colonização, limites administrativos, processos econômicos). São produtos históricos, não inevitabilidades da natureza.
C — Incorreta. O poema valoriza a natureza (mar, matas, luar, sertão). Ao contrário de desconsiderar, a natureza aparece como componente central da identidade e da formação socioterritorial.
D — Incorreta. Afirmar que Minas Gerais não manteve relações com a África é falso historicamente: a mineração e a economia colonial ligaram Minas aos portos africanos por meio do tráfico negreiro e contribuíram para forte presença afro-brasileira e trocas culturais e econômicas.
Dicas de interpretação para provas:
- Procure palavras-chave no enunciado que liguem poema/texto a conceitos geográficos (ex.: sertão, litoral, mar, estados).
- Relacione imagens do texto com teorias clássicas (Euclides, Milton Santos) — isso ajuda a justificar respostas em questões de Geografia Histórica.
- Desconfie de alternativas que naturalizam processos históricos (palavras como “natural”, “inevitável”).
Fontes sugeridas: Euclides da Cunha, Os Sertões (1902); Milton Santos, O Espaço Dividido (1978).
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