Leia o fragmento da carta elaborada por um trabalhador e enviada ao redator do jornal do Ceará, no séc.
XVIII:
[...] Ignorante do modo de viver, e a negociar-se n’estas águas, comecei a informar-me dos diversos cearenses
que nas barracas ia encontrando, sobre o estado de riquezas em que se achavam? Então todos em uma só voz
diziam-me: ah! meu pobre velho, em que desgraça veio você cair no seu último quartel de vida! Aqui o nome
de riqueza e liberdade já está riscado das nossas imaginações; aqui nem sequer vive-se; morre-se em
tormentos! Esses pérfidos patrões, que você por aí vê, são o refugo da sociedade humana, são os usurários
mais desalmados do mundo; eles próprios vendidos não pagariam a centésima parte que devem no Pará, e,
entretanto, vendem-nos aqui os objetos de primeira necessidade por 100 vezes mais do custo d’eles no Ceará;
exemplo: lá na sua Meruoca custa uma terça da melhor farinha 50 réis, aqui, igual porção e podre, custa 5000
réis! E o mais tudo é n’este gosto. Agora enquanto você vai de viagem não nos acreditará, porém breve
achará ser ainda mais do que dizemos; aqui, por mais que se trabalhe, e se economize, nunca se salda contas
com o patrão, pelo contrário, a dívida cresce espantosamente e sempre!
2ª carta do “Caboclo Velho” ao redactor do Jornal Cearense, Hyutananhan, 28 de Junho de 1873 apud CARDOSO,
Antônio A. I. Ecos de blasphemias e ranger de dentes: trajetórias de migrantes Ceará-Amazônia e o ofício dos
paroaras. (1852-1877). Embornal, Fortaleza, v. 1, n. 1, p. 19-20, 2010. [Adaptado]
A partir das indicações sugeridas na fonte, é CORRETO afirmar sobre as relações de trabalho no Brasil
Gabarito comentado
Alternativa correta: A
Tema central: relações de trabalho na migração Ceará→Amazônia no século XIX e o sistema de endividamento/aviamento que prendia trabalhadores a patrões/comerciantes. A carta revela preços abusivos, compras a crédito e dívidas que aumentam — elementos-chave para identificar a prática de servidão por dívida.
Resumo teórico: o sistema de aviamento (ou comércio a consignação/adiantamento) consistia em adiantamentos de dinheiro, mantimentos ou ferramentas pelo patrão/lojista. O trabalhador passava a dever e era obrigado a vender sua força de trabalho para saldar a dívida; devido a preços inflacionados e juros elevados, a dívida raramente era paga — configurando uma relação de dependência e exploração. (ver Cardoso, A. A. I., 2010; síntese em Fausto, B., História do Brasil).
Por que A é correta: a alternativa descreve precisamente o fenômeno mostrado na carta — compra de bens a preços extremamente elevados, endividamento crescente e impossibilidade de quitação. Historicamente, isso favoreceu abuso laboral e péssimas condições de vida nas áreas de migração, como a Amazônia no século XIX (Cardoso, 2010).
Análise das alternativas incorretas:
B (incorreta): mistura verdade e erro. É verdade que houve exploração extrativista e que muitos migrantes esperavam lucros; porém não houve garantia de retorno financeiro — a fonte mostra justamente frustração e empobrecimento. Logo, afirmar que "garantiu o retorno financeiro" é falso.
C (incorreta): afirma que intermediadores criavam frentes de trabalho sem prejuízo e afastavam endividamentos — o contrário ocorreu: intermediadores ("gatos") muitas vezes enganavam trabalhadores, levando-os a situações de endividamento e exploração.
D (incorreta): trata conservação ambiental como prioridade histórica; isso é anacrônico. A ocupação e extração no período visaram lucro, não conservação, e frequentemente causaram degradação.
E (incorreta): sustenta que a situação foi única e criminalizada — na verdade, a servidão por dívida foi prática recorrente em vários momentos e regiões do Brasil; somente mais tarde foram avançando normas trabalhistas, mas não houve erradicação imediata.
Estratégia de prova: busque palavras-chave no enunciado que indiquem relação econômica (dívida, preços, “nunca se salda contas”). Desconfie de alternativas que generalizam positivamente (p.ex. “garantiu retorno”) ou que reescrevem a realidade com sentido oposto.
Fontes: Cardoso, A. A. I. (2010) — relato citado; síntese historiográfica sobre trabalho e migrações: Fausto, B., História do Brasil.
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