Sobre a frase “Sua mãe lhe doía, era isso.”, na primeira linha do trecho, assinale a alternativa correta.
Leia o trecho a seguir, extraído do conto “Os laços de família”, do livro Laços de família, e responda à questão.
Não, não se podia dizer que amava sua mãe. Sua mãe lhe doía, era isso. A velha guardara o espelho
na bolsa, e fitava-a sorrindo. O rosto usado e ainda bem esperto parecia esforçar-se por dar aos outros
alguma impressão da qual o chapéu faria parte. A campainha da Estação tocou de súbito, houve um
movimento geral de ansiedade, várias pessoas correram pensando que o trem já partia: mamãe! disse
a mulher. Catarina! disse a velha. Ambas se olhavam espantadas, a mala na cabeça de um carregador
interrompeu-lhes a visão e um rapaz correndo segurou de passagem o braço de Catarina, deslocando-lhe a gola do vestido. Quando puderam ver-se de novo, Catarina estava sob a iminência de lhe perguntar
se não esquecera de nada...
– ... Não esqueci de nada? perguntou a mãe.
Também a Catarina parecia que haviam esquecido de alguma coisa, e ambas se olhavam atônitas –
porque se realmente haviam esquecido, agora era tarde demais. Uma mulher arrastava uma criança, a
criança chorava, novamente a campainha da Estação soou... Mamãe, disse a mulher. Que coisa tinham
esquecido de dizer uma a outra, e agora era tarde demais. Parecia-lhe que deveriam um dia ter dito assim: sou tua mãe, Catarina. E ela deveria ter respondido: e eu sou tua filha.
– Não vá pegar corrente de ar! Gritou Catarina.
– Ora menina, sou lá criança, disse a mãe sem deixar porém de se preocupar com a própria aparência.
(LISPECTOR, C. Laços de família. 11. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1979. p. 112-113.)
A dor representava o remorso sentido em Catarina, que deixou de aproveitar a visita da mãe para lhe contar que estava na iminência de se separar do marido.
Gabarito comentado
Gabarito: D
Tema central: A frase “Sua mãe lhe doía, era isso.” expressa a complexidade das relações familiares no conto de Clarice Lispector, marcado por ambivalência emocional, distanciamento afetivo e comunicação deficiente entre mãe e filha.
Explicação teórica: O texto utiliza a “dor” de forma subjetiva, expondo um incômodo emocional advindo de laços familiares que carregam tanto afeto quanto desconforto. Segundo autores como Alfredo Bosi e Lucia Helena, Clarice explora com profundidade o sutil desconcerto das convivências familiares, focando menos em ações concretas e mais nos sentimentos silenciosos e não-ditos (sensação de ausência, incompletude, distância).
Justificativa da alternativa correta (D):
A alternativa D interpreta corretamente que a relação distanciada entre Catarina e sua mãe gera um incômodo, traduzido na “dor” sentida. Essa análise se apoia nos diálogos pouco expressivos do texto (“Que coisa tinham esquecido de dizer uma a outra...” e “Não vá pegar corrente de ar!”), mostrando o vazio afetivo e a dificuldade de expressar sentimentos verdadeiros.
Análise das alternativas incorretas:
A) Sugere desejo pela permanência da mãe, mas o trecho não mostra isso; evidencia apenas desconforto.
B) Fala em remorso e separação conjugal, assuntos que não aparecem no texto nem como subentendidos.
C) Supõe que a dor de Catarina seja um alívio ou repugnância em relação à mãe. O texto aponta incômodo, não repulsa.
E) Relaciona a dor a traumas da infância, informação não presente nem sugerida pelo texto.
Estratégia para provas: Atente-se às palavras de sentimento com significado subjetivo e evitando interpretações que tragam informações externas não presentes ou sugeridas pelo texto (ex: separação, traumas passados, repugnância). Clarice Lispector constrói sua narrativa por sutilezas – use sempre pistas contextuais e a ausência de demonstrações afetivas claras para basear sua resposta.
Conclusão: O foco deve ser o incômodo causado pela falta de comunicação íntima, refletindo a “dor” existencial, e não causas objetivas não mencionadas.
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