Leia o trecho do romance Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa, abaixo.
Essas coisas todas se passaram tempos depois. Talhei de avanço, em minha história. O senhor
tolere minhas más devassas no contar. É ignorância. Eu não converso com ninguém de fora, quase.
Não sei contar direito. Aprendi um pouco foi com o compadre meu Quelemém; mas ele quer saber
tudo diverso: quer não é o caso inteirado em si, mas a sobre-coisa, a outra-coisa. Agora, neste dia
nosso, com o senhor mesmo – me escutando com devoção assim – é que aos poucos vou indo
aprendendo a contar corrigido. E para o dito volto. Como eu estava, com o senhor, no meio dos
hermógenes.
Assinale com V (verdadeiro) ou F (falso) as seguintes afirmações sobre o trecho.
( ) Riobaldo, narrador da história, tem consciência de que sua narrativa obedece ao fluxo da
memória e não à cronologia dos fatos.
( ) A ignorância de Riobaldo é expressa pelos erros gramaticais e pela inabilidade em contar sua
história, que carece de ordenação.
( ) “A sobre-coisa, a outra-coisa”, que o compadre Quelemém quer, é a interpretação da própria
vivência e não o simples relato dos acontecimentos.
( ) O ouvinte exerce um papel importante, pois obriga Riobaldo a organizar a narrativa e a dar
significado ao narrado.
Gabarito comentado
Gabarito comentado – Literatura/Escolas Literárias (Vestibular)
Tema central: Esta questão aborda narrativa em primeira pessoa, fluxo de memória, linguagem regional e o papel do narratário no romance Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa. Entender essas técnicas é fundamental para reconhecer a construção narrativa e a função da linguagem na literatura brasileira moderna.
Justificativa da alternativa correta – Letra C (V – F – V – V):
1ª afirmação – Verdadeira: O narrador, Riobaldo, expressa autopercepção de que seus relatos seguem seu pensamento e memória, dizendo que “talhou de avanço” e que está aprendendo a narrar. Isso mostra o fluxo não linear da memória, característica do romance moderno e do fluxo de consciência na literatura.
2ª afirmação – Falsa: Apesar de mencionar “ignorância”, Riobaldo é um narrador complexo, cuja oralidade e escolhas linguísticas são deliberadas para dar autenticidade ao relato, não um reflexo de incapacidade. Sua linguagem é rica e não marcada por erros que caracterizariam inabilidade pura ou falta de lógica narrativa.
3ª afirmação – Verdadeira: A “sobre-coisa, outra-coisa” refere-se ao sentido além da descrição dos fatos — o significado oculto, a interpretação subjetiva da vivência. Guimarães Rosa propõe uma leitura que vai além do acontecimento em si, pedindo reflexão sobre o sentido da experiência.
4ª afirmação – Verdadeira: O “senhor”, ouvinte de Riobaldo, cumpre papel essencial: estimula, guia e dá sentido à narrativa. Isso é típico da relação narrador/narratário, que obriga à organização dos relatos e à busca de seu significado.
Análise das alternativas incorretas:
- A e D: Erram ao considerar como verdadeira a ideia de que a inabilidade de Riobaldo provém de erros gramaticais ou desordem. Isso não dialoga com a construção sofisticada da narrativa rosiana.
- B e E: Pecam ao negar o fluxo da memória ou a importância do narratário, contrariando os trechos originais e a leitura crítica da obra.
Estratégias para provas: Fique atento a "afirmações sutis" relacionadas à linguagem dos personagens e à diferença entre oralidade rica e “erro”. Desconfie de generalizações (“sempre”, “nunca”, etc.) e esteja atento à relação entre narrador e narratário.
Resumo dos conceitos: Narrador em 1ª pessoa, fluxo de consciência, oralidade, regionalismo, papel do interlocutor na narrativa.
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