A palavra grifada em A culpa foi minha, ou antes, a
culpa foi desta vida agreste, que me deu uma alma
agreste, exerce a mesma função em
I. Releio algumas linhas, que me desagradam.
II. E, falando assim, compreendo que perco o
tempo.
III. ...para que serve esta narrativa?
IV. Compreendo que perco o tempo.
V. ...deixava que a sombra nos envolvesse...
Conheci que Madalena era boa em demasia, mas não conheci tudo de uma vez. Ela se revelou pouco a pouco,
e nunca se revelou inteiramente. A culpa foi minha, ou antes, a culpa foi desta vida agreste, que me deu uma
alma agreste.
E, falando assim, compreendo que perco o tempo. Com efeito, se me escapa o retrato moral de minha mulher,
para que serve esta narrativa? Para nada, mas sou forçado a escrever.
Quando os grilos cantam, sento-me aqui à mesa da sala de jantar, bebo café, acendo o cachimbo. Às vezes as
ideias não vêm, ou vêm muito numerosas - e a folha permanece meio escrita, como estava na véspera. Releio
algumas linhas, que me desagradam. Não vale a pena tentar corrigi-las. Afasto o papel.
Emoções indefiníveis me agitam - inquietação terrível, desejo doido de voltar, tagarelar novamente com
Madalena, como fazíamos todos os dias, a esta hora. Saudade? Não, não é isto: desespero, raiva, um peso
enorme no coração.
Procuro recordar o que dizíamos. Impossível. As minhas palavras eram apenas palavras, reprodução imperfeita
de fatos exteriores, e as dela tinham alguma coisa que não consigo exprimir. Para senti-las melhor, eu apagava
as luzes, deixava que a sombra nos envolvesse até ficarmos dois vultos indistintos na escuridão.
(Graciliano Ramos)
Conheci que Madalena era boa em demasia, mas não conheci tudo de uma vez. Ela se revelou pouco a pouco, e nunca se revelou inteiramente. A culpa foi minha, ou antes, a culpa foi desta vida agreste, que me deu uma alma agreste.
E, falando assim, compreendo que perco o tempo. Com efeito, se me escapa o retrato moral de minha mulher, para que serve esta narrativa? Para nada, mas sou forçado a escrever.
Quando os grilos cantam, sento-me aqui à mesa da sala de jantar, bebo café, acendo o cachimbo. Às vezes as ideias não vêm, ou vêm muito numerosas - e a folha permanece meio escrita, como estava na véspera. Releio algumas linhas, que me desagradam. Não vale a pena tentar corrigi-las. Afasto o papel.
Emoções indefiníveis me agitam - inquietação terrível, desejo doido de voltar, tagarelar novamente com Madalena, como fazíamos todos os dias, a esta hora. Saudade? Não, não é isto: desespero, raiva, um peso enorme no coração.
Procuro recordar o que dizíamos. Impossível. As minhas palavras eram apenas palavras, reprodução imperfeita de fatos exteriores, e as dela tinham alguma coisa que não consigo exprimir. Para senti-las melhor, eu apagava as luzes, deixava que a sombra nos envolvesse até ficarmos dois vultos indistintos na escuridão.
(Graciliano Ramos)
Gabarito comentado
Comentário - Questão sobre as funções morfossintáticas da palavra “que”
Tema central: A questão aborda a função morfossintática do pronome relativo “que”, conceito fundamental no estudo da oração subordinada adjetiva na Língua Portuguesa.
Análise do enunciado: No trecho “A culpa foi desta vida agreste, que me deu uma alma agreste”, “que” retoma “vida agreste” e exerce a função de sujeito da oração seguinte (“que me deu uma alma agreste”). Trata-se de um caso típico de pronome relativo funcionando como sujeito.
Regra gramatical: Segundo Bechara (“Moderna Gramática Portuguesa”), o pronome relativo assume a função que seu antecedente teria na oração subordinada: sujeito, objeto direto, agente da passiva, entre outros. Nesta questão, queremos saber qual alternativa apresenta o “que” com a mesma função (sujeito).
Análise das alternativas:
I. “Releio algumas linhas, que me desagradam.”
Aqui, o “que” retoma “algumas linhas” e funciona como sujeito de “me desagradam”. É a única alternativa correta.
II. “...compreendo que perco o tempo.”
Neste caso, “que” é conjunção integrante, introduzindo oração subordinada substantiva, não pronome relativo.
III. “para que serve esta narrativa?”
Aqui, “que” é um pronome interrogativo (ou conjunção de finalidade) e não pronome relativo.
IV. “Compreendo que perco o tempo.”
Semelhante à II, “que” é conjunção integrante.
V. “deixava que a sombra nos envolvesse...”
Mais uma vez, “que” é conjunção integrante.
Conclusão:
A função morfossintática do “que” no enunciado aparece apenas na alternativa I, pois, em ambos os períodos, ele é pronome relativo com função de sujeito. Nas demais, atua como conjunção ou em outros papéis. Portanto, a alternativa correta é a B).
Dica para provas: Ao analisar “que” em questões, busque o termo que ele retoma (antecedente) e verifique se exerce função sintática típica de pronome relativo (sujeito, objeto, etc). Atenção a pegadinhas: nem todo “que” é pronome relativo!
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