Leia o fragmento que inicia “Devaneios e embriaguez duma rapariga”, conto de Clarice Lispector,
publicado em Laços de família.
Pelo quarto parecia-lhe estarem a se cruzar os eletricos, a estremecerem-lhe a imagem refletida. Estava a
se pentear vagarosamente diante da penteadeira de tres espelhos, os bracos brancos e fortes arrepiavamse à frescurazita da tarde. Os olhos nao se abandonavam, os espelhos vibravam ora escuros, ora
luminosos. Cá fora, duma janela mais alta, caiu à rua uma cousa pesada e fofa. Se os miudos e o marido
estivessem à casa, já lhe viria à ideia que seria descuido deles. Os olhos nao se despregavam da imagem,
o pente trabalhava meditativo, o roupao aberto deixava aparecerem nos espelhos os seios entrecortados de
várias raparigas.
"A Noite!", gritou o jornaleiro ao vento brando da Rua do Riachuelo, e alguma cousa arrepiou-se
pressagiada. Jogou o pente à penteadeira, cantou absorta: "quem viu o par-dal-zito... passou pela jane-la...
voou pr'alem do Mi-nho!" — mas, colerica, fechou-se dura como um leque.
Deitou-se, abanava-se impaciente com um jornal a farfalhar no quarto. Pegou o lenco, aspirava-o a
comprimir o bordado áspero com os dedos avermelhados. Punha-se de novo a abanar-se, quase a sorrir. Ai,
ai, suspirou a rir. Teve a visao de seu sorriso claro de rapariga ainda nova, e sorriu mais fechando os olhos,
a abanar-se mais profundamente. Ai, ai, vinha da rua como uma borboleta.
[...]
LISPECTOR, Clarice. Devaneios e embriaguez duma rapariga. In: ___. Laços de família. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. p. 5.
Assinale a alternativa correta sobre o fragmento de texto apresentado para a questão.
Leia o fragmento que inicia “Devaneios e embriaguez duma rapariga”, conto de Clarice Lispector, publicado em Laços de família.
Pelo quarto parecia-lhe estarem a se cruzar os eletricos, a estremecerem-lhe a imagem refletida. Estava a se pentear vagarosamente diante da penteadeira de tres espelhos, os bracos brancos e fortes arrepiavamse à frescurazita da tarde. Os olhos nao se abandonavam, os espelhos vibravam ora escuros, ora luminosos. Cá fora, duma janela mais alta, caiu à rua uma cousa pesada e fofa. Se os miudos e o marido estivessem à casa, já lhe viria à ideia que seria descuido deles. Os olhos nao se despregavam da imagem, o pente trabalhava meditativo, o roupao aberto deixava aparecerem nos espelhos os seios entrecortados de várias raparigas.
"A Noite!", gritou o jornaleiro ao vento brando da Rua do Riachuelo, e alguma cousa arrepiou-se pressagiada. Jogou o pente à penteadeira, cantou absorta: "quem viu o par-dal-zito... passou pela jane-la... voou pr'alem do Mi-nho!" — mas, colerica, fechou-se dura como um leque.
Deitou-se, abanava-se impaciente com um jornal a farfalhar no quarto. Pegou o lenco, aspirava-o a comprimir o bordado áspero com os dedos avermelhados. Punha-se de novo a abanar-se, quase a sorrir. Ai, ai, suspirou a rir. Teve a visao de seu sorriso claro de rapariga ainda nova, e sorriu mais fechando os olhos, a abanar-se mais profundamente. Ai, ai, vinha da rua como uma borboleta.
[...]
LISPECTOR, Clarice. Devaneios e embriaguez duma rapariga. In: ___. Laços de família. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. p. 5.
Assinale a alternativa correta sobre o fragmento de texto apresentado para a questão.
Gabarito comentado
Tema central: A questão avalia sua compreensão sobre os tipos de discurso narrativo, em especial o discurso indireto livre, técnica frequentemente utilizada pela autora Clarice Lispector para representar a interioridade das personagens.
Conceito-chave: O discurso indireto livre é uma forma de narrar em que os pensamentos e sentimentos das personagens se mesclam à voz do narrador, sem sinais gráficos (travessões ou aspas) ou verbos indicadores (como "disse", "pensou"). Ele proporciona ao leitor a sensação de que mergulha diretamente na mente da personagem, tornando-se comum na literatura intimista.
Alternativa correta (B): Há o emprego do discurso indireto livre.
Observe no trecho: "Se os miúdos e o marido estivessem à casa, já lhe viria à ideia que seria descuido deles." — aqui, os pensamentos da personagem surgem de forma natural, misturados à narração, um claro exemplo do discurso indireto livre. A técnica confere densidade à intimidade e subjetividade, típica da prosa clariciana.
Análise das alternativas incorretas:
A) Narrador homodiegético: Incorreto. O narrador não participa da história; é um narrador heterodiegético, externo à ação.
C) Epifania: Epifania é uma "revelação súbita", transformação ou clique existencial. Apesar do devaneio, não há esse momento de descoberta profunda no recorte apresentado.
D) Prolepse: Prolepse é antecipação do futuro na narrativa. O fragmento só aborda o presente da personagem.
E) Tempo cíclico: O tempo cíclico sugere repetição de eventos ou rotinas. O texto mostra uma única sequência de ações e pensamentos, com tempo linear e psicológico.
Estratégia para a prova: Fique atento quando o narrador se mistura à personagem sem sinais evidentes; costuma ser discurso indireto livre. Evite confundir com discurso direto (fala explícita) ou indireto (fala mediada pelo narrador com verbos).
Para estudar mais, consulte: Massaud Moisés, “Manual de literatura portuguesa”; William Roberto Cereja & Thereza Cochar Magalhães, “Literatura brasileira em diálogo”.
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