Questão 6c5e5660-fd
Prova:UFT 2018
Disciplina:Português
Assunto:Crase

Quanto à utilização de indicativos de crase, analise as afirmativas.


I. Em: “[...] à maneira que a filosofia opera há séculos” (1º parágrafo), a crase é de uso facultativo, pois “a maneira” indica locução verbal.

II. Em: “[...] argumentos favoráveis e contrários à existência de Deus” (1º parágrafo), a crase é facultativa, pois há contração da preposição “a” com o artigo feminino “a”.

III. Em: “O direito à crença” (2º parágrafo), a crase é obrigatória, devido à contração da preposição “a” com o artigo feminino “a”.


Assinale a alternativa CORRETA.

Opinião não é argumento
Aqui está uma história que pode ser verdadeira no contexto atual do Brasil. Um jovem professor de Filosofia, instruindo seus alunos à Filosofia da Religião, introduz, à maneira que a Filosofia opera há séculos, argumentos favoráveis e contrários à existência de Deus. Um dos alunos se queixa, para o diretor e também nas onipresentes redes sociais, de que suas crenças religiosas estão sendo atacadas. “Eu tenho direito às minhas crenças”. O diretor concorda com o aluno e força o professor a desistir de ensinar Filosofia da Religião.
Mas o que é exatamente um “direito às minhas crenças”? [...] O direito à crença, nesse caso, poderia ser visto como o “direito evidencial”. Alguém tem um direito evidencial à sua crença se estiver disposto a fornecer evidências apropriadas em apoio a ela. Mas o que o estudante e o diretor estão reivindicando e promovendo não parece ser esse direito, pois isso implicaria precisamente a necessidade de pôr as evidencias à prova.
Parece que o estudante está reivindicando outra coisa, um certo “direito moral” à sua crença, como avaliado pelo filósofo americano Joel Feinberg, que trabalhou temas da Ética, Teoria da Ação e Filosofia Política. O estudante está afirmando que tem o direito moral de acreditar no que quiser, mesmo em crenças falsas.
Muitas pessoas acham que, se têm um direito moral a uma crença, todo mundo tem o dever de não as privar dessa crença, o que envolve não criticá-la, não mostrar que é ilógica ou que lhe falta apoio evidencial. O problema é que essa é uma maneira cada vez mais comum de pensar sobre o direito de acreditar. E as grandes perdedoras são a liberdade de expressão e a democracia.
[...] A defesa de uma crença está restrita ao uso de métodos que pertence ao espaço das razões – argumentação e persuasão, em vez de força. Você tem o direito de avançar sua crença na arena pública usando os mesmos métodos de que seus oponentes dispõem para dissuadi-lo. O pior acontece quando crenças se materializam em opinião, e são usadas como substitutas de argumentos, quando o “Eu tenho direito às minhas crenças” se transforma em “Eu tenho direito à minha opinião”. Crenças e opiniões não são argumentos. Mais precisamente, crenças diferem de opinião, que diferem de fatos, que diferem de argumentos. Um fato é algo que pode ser comprovado verdadeiro. Por exemplo, é um fato que Júpiter é o maior planeta do sistema solar tanto em diâmetro quanto em massa. Esse fato pode ser provado pela observação ou pela consulta a uma fonte fidedigna.
Uma crença é uma ideia ou convicção que alguém aceita como verdade, como “passar debaixo de uma escada dá azar”. Isso certamente não pode ser provado (ou pelo menos nunca foi). Mas a pessoa ainda pode manter sua crença, como vimos, se não pelo “direito evidencial”, apelando para o “direito moral”. Ou ainda, pelo mesmo “direito moral”, deixar de acreditar no que ela própria pensa ser evidência, como no caso do famoso dito (atribuído a Sancho Pança): “Não creio em bruxas, ainda que existam”. [...]

Fonte: CARNIELLI, Walter. Página Aberta. In: Revista Veja. Edição 2578, ano 51, nº 16. São Paulo: Editora Abril, 2018, p. 64 (fragmento adaptado). 

A
Apenas a afirmativa I está correta.
B
Apenas as afirmativas I e II estão corretas.
C
Apenas a afirmativa III está correta.
D
Todas as afirmativas estão corretas.

Gabarito comentado

S
Sofia RuizMonitor do Qconcursos

Tema central: Uso da crase. A crase é um fenômeno da norma-padrão que indica a fusão da preposição “a” com o artigo feminino “a” ou com os pronomes aquela(s), aquela(s), aquele(s). Seu emprego está ligado à regência verbal, nominal e ao uso de locuções prepositivas, adverbiais e conjuntivas femininas.

Alternativa correta: C) Apenas a afirmativa III está correta.

Justificativa:

Na frase “O direito à crença”, ocorre a crase obrigatória porque:

  • “direito” exige a preposição “a” (direito a algo);
  • “crença” é substantivo feminino acompanhado do artigo “a”;
  • Portanto, há fusão de preposição + artigo (“a” + “a” = “à”).
Baseando-se na gramática normativa (Bechara, Cunha & Cintra, Rocha Lima), sempre que há regência de preposição “a” seguida de substantivo feminino que aceita artigo, utiliza-se a crase.

Análise das alternativas incorretas:

I. “à maneira que a filosofia opera há séculos”:
A crase não é facultativa, é obrigatória. “à maneira” compõe uma locução adverbial feminina de modo, sendo a crase exigida (Bechara, 2003): “à maneira de”, “à moda de”. Portanto, erro em afirmar que é opcional.

II. “... argumentos favoráveis e contrários à existência de Deus”:
A crase aqui também é obrigatória. O termo “contrário” exige preposição “a” e “existência” (feminino) exige artigo. Fusão obrigatória, não facultativa.

Estratégia para questões de crase: Sempre identifique:

  • Se o termo anterior exige a preposição “a” (verbo/regência)
  • Se o termo seguinte é feminino, admite artigo e está explícito
  • Se for locução adverbial, prepositiva ou conjuntiva feminina, a crase é obrigatória
Atenção às pegadinhas: a crase nunca é usada antes de palavras masculinas, verbos, pronomes pessoais, nomes de cidade sem artigo, nem em locuções de palavras masculinas.

Referências:
BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa.
CUNHA & CINTRA. Nova Gramática do Português Contemporâneo.
ROCHA LIMA, C.H. Gramática Normativa da Língua Portuguesa.

Conclusão: Portanto, apenas a afirmativa III está correta: a crase é obrigatória em “à crença”. As alternativas I e II, apesar de envolverem situações de crase, não permitem uso facultativo, mas sim obrigatório.

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