In the fragment “Seguramente o dono da sege, por
muito tarde que chegasse à casa, não morria de fome, ao
passo que a boa senhora morreu de verdade, e para sempre”.
We can say that the verb “to die” is used in two different
ways. The first one is figurative language and the second
is real meaning. We have the same expression and verb in
English. From the following options, choose the alternative
which is also figurative language “morrer de fome”
TEXTO 2
VI
Para entenderes bem o que é a morte e a vida,
basta contar-te como morreu minha avó.
— Como foi?
— Senta-te.
Rubião obedeceu, dando ao rosto o maior interesse
possível, enquanto Quincas Borba continuava
a andar.
— Foi no Rio de Janeiro, começou ele, defronte
da Capela Imperial, que era então Real, em dia
de grande festa; minha avó saiu, atravessou o adro,
para ir ter à cadeirinha, que a esperava no Largo do
Paço. Gente como formiga. O povo queria ver entrar
as grandes senhoras nas suas ricas traquitanas. No
momento em que minha avó saía do adro para ir à
cadeirinha, um pouco distante, aconteceu espantar-se uma das bestas de uma sege; a besta disparou, a
outra imitou-a, confusão, tumulto, minha avó caiu, e
tanto as mulas como a sege passaram-lhe por cima.
Foi levada em braços para uma botica da Rua Direita,
veio um sangrador, mas era tarde; tinha a cabeça rachada, uma perna e o ombro partidos, era toda sangue;
expirou minutos depois.
— Foi realmente uma desgraça, disse Rubião.
— Não.
— Não?
— Ouve o resto. Aqui está como se tinha passado
o caso. O dono da sege estava no adro, e tinha
fome, muita fome, porque era tarde, e almoçara cedo
e pouco. Dali pôde fazer sinal ao cocheiro; este fustigou
as mulas para ir buscar o patrão. A sege no meio
do caminho achou um obstáculo e derribou-o; esse
obstáculo era minha avó. O primeiro ato dessa série
de atos foi um movimento de conservação: Humanitas
tinha fome. Se em vez de minha avó, fosse um rato
ou um cão, é certo que minha avó não morreria, mas
o fato era o mesmo; Humanitas precisa comer. Se em
vez de um rato ou de um cão, fosse um poeta, Byron
ou Gonçalves Dias diferia o caso no sentido de dar
matéria a muitos necrológios; mas o fundo subsistia.
O universo ainda não parou por lhe faltarem alguns
poemas mortos em flor na cabeça de um varão ilustre
ou obscuro; mas Humanitas (e isto importa, antes
de tudo) Humanitas precisa comer.
Rubião escutava, com a alma nos olhos, sinceramente
desejoso de entender; mas não dava pela necessidade
a que o amigo atribuía a morte da avó. Seguramente
o dono da sege, por muito tarde que chegasse à
casa, não morria de fome, ao passo que a boa senhora
morreu de verdade, e para sempre. Explicou-lhe,
como pôde, essas dúvidas, e acabou perguntando-lhe:
— E que Humanitas é esse?
— Humanitas é o princípio. Mas não, não digo
nada, tu não és capaz de entender isto, meu caro Rubião;
falemos de outra coisa.
— Diga sempre.
Quincas Borba, que não deixara de andar, parou
alguns instantes.
— Queres ser meu discípulo?
— Quero.
— Bem, irás entendendo aos poucos a minha
filosofia; no dia em que a houveres penetrado inteiramente,
ah! nesse dia terás o maior prazer da vida,
porque não há vinho que embriague como a verdade.
Crê-me, o Humanitismo é o remate das coisas; e eu,
que o formulei, sou o maior homem do mundo. Olha,
vês como o meu bom Quincas Borba está olhando
para mim? Não é ele, é Humanitas...
— Mas que Humanitas é esse?
— Humanitas é o principio. Há nas coisas todas
certa substância recôndita e idêntica, um princípio
único, universal, eterno, comum, indivisível e
indestrutível, — ou, para usar a linguagem do grande
Camões:
Uma verdade que nas coisas anda,
Que mora no visíbil e invisíbil.
Pois essa sustância ou verdade, esse princípio
indestrutível é que é Humanitas. Assim lhe chamo,
porque resume o universo, e o universo é o homem.
Vais entendendo?
— Pouco; mas, ainda assim, como é que a morte
de sua avó...
— Não há morte. O encontro de duas expansões,
ou a expansão de duas formas, pode determinar
a supressão de uma delas; mas, rigorosamente,
não há morte, há vida, porque a supressão de uma é
a condição da sobrevivência da outra, e a destruição
não atinge o princípio universal e comum. Daí o carácter
conservador e benéfico da guerra. Supõe tu um
campo de batatas e duas tribos famintas. As batatas
apenas chegam para alimentar uma das tribos, que
assim adquire forças para transpor a montanha e ir à
outra vertente, onde há batatas em abundância; mas,
se as duas tribos dividirem em paz as batatas do campo,
não chegam a nutrir-se suficientemente e morrem
de inanição. A paz, nesse caso, é a destruição; a
guerra é a conservação. Uma das tribos extermina a
outra e recolhe os despojos. Daí a alegria da vitória,
os hinos, aclamações, recompensas públicas e todos
os demais efeitos das ações bélicas. Se a guerra não
fosse isso, tais demonstrações não chegariam a dar-se, pelo motivo real de que o homem só comemora e
ama o que lhe é aprazível ou vantajoso, e pelo motivo
racional de que nenhuma pessoa canoniza uma ação
que virtualmente a destrói. Ao vencido, ódio ou compaixão;
ao vencedor, as batatas.
— Mas a opinião do exterminado?
— Não há exterminado. Desaparece o fenômeno;
a substância é a mesma. Nunca viste ferver água?
Hás de lembrar-te que as bolhas fazem-se e desfazem-se
de contínuo, e tudo fica na mesma água. Os
indivíduos são essas bolhas transitórias.
— Bem; a opinião da bolha...
— Bolha não tem opinião. Aparentemente, há
nada mais contristador que uma dessas terríveis pestes
que devastam um ponto do globo? E, todavia, esse
suposto mal é um benefício, não só porque elimina
os organismos fracos, incapazes de resistência, como
porque dá lugar à observação, à descoberta da droga
curativa. A higiene é filha de podridões seculares;
devemo-la a milhões de corrompidos e infectos.
Nada se perde, tudo é ganho. Repito, as bolhas ficam
na água. Vês este livro? É Dom Quixote. Se eu destruir
o meu exemplar, não elimino a obra, que continua
eterna nos exemplares subsistentes e nas edições
posteriores. Eterna e bela, belamente eterna, como
este mundo divino e supradivino.
(ASSIS, Machado de. Quincas Borba. 18. ed. São
Paulo: Ática, 2011. p. 26-28.)
TEXTO 2
VI
Para entenderes bem o que é a morte e a vida, basta contar-te como morreu minha avó.
— Como foi?
— Senta-te.
Rubião obedeceu, dando ao rosto o maior interesse possível, enquanto Quincas Borba continuava a andar.
— Foi no Rio de Janeiro, começou ele, defronte da Capela Imperial, que era então Real, em dia de grande festa; minha avó saiu, atravessou o adro, para ir ter à cadeirinha, que a esperava no Largo do Paço. Gente como formiga. O povo queria ver entrar as grandes senhoras nas suas ricas traquitanas. No momento em que minha avó saía do adro para ir à cadeirinha, um pouco distante, aconteceu espantar-se uma das bestas de uma sege; a besta disparou, a outra imitou-a, confusão, tumulto, minha avó caiu, e tanto as mulas como a sege passaram-lhe por cima. Foi levada em braços para uma botica da Rua Direita, veio um sangrador, mas era tarde; tinha a cabeça rachada, uma perna e o ombro partidos, era toda sangue; expirou minutos depois.
— Foi realmente uma desgraça, disse Rubião.
— Não.
— Não?
— Ouve o resto. Aqui está como se tinha passado o caso. O dono da sege estava no adro, e tinha fome, muita fome, porque era tarde, e almoçara cedo e pouco. Dali pôde fazer sinal ao cocheiro; este fustigou as mulas para ir buscar o patrão. A sege no meio do caminho achou um obstáculo e derribou-o; esse obstáculo era minha avó. O primeiro ato dessa série de atos foi um movimento de conservação: Humanitas tinha fome. Se em vez de minha avó, fosse um rato ou um cão, é certo que minha avó não morreria, mas o fato era o mesmo; Humanitas precisa comer. Se em vez de um rato ou de um cão, fosse um poeta, Byron ou Gonçalves Dias diferia o caso no sentido de dar matéria a muitos necrológios; mas o fundo subsistia. O universo ainda não parou por lhe faltarem alguns poemas mortos em flor na cabeça de um varão ilustre ou obscuro; mas Humanitas (e isto importa, antes de tudo) Humanitas precisa comer.
Rubião escutava, com a alma nos olhos, sinceramente desejoso de entender; mas não dava pela necessidade a que o amigo atribuía a morte da avó. Seguramente o dono da sege, por muito tarde que chegasse à casa, não morria de fome, ao passo que a boa senhora morreu de verdade, e para sempre. Explicou-lhe, como pôde, essas dúvidas, e acabou perguntando-lhe:
— E que Humanitas é esse?
— Humanitas é o princípio. Mas não, não digo nada, tu não és capaz de entender isto, meu caro Rubião; falemos de outra coisa.
— Diga sempre.
Quincas Borba, que não deixara de andar, parou alguns instantes.
— Queres ser meu discípulo?
— Quero.
— Bem, irás entendendo aos poucos a minha filosofia; no dia em que a houveres penetrado inteiramente, ah! nesse dia terás o maior prazer da vida, porque não há vinho que embriague como a verdade. Crê-me, o Humanitismo é o remate das coisas; e eu, que o formulei, sou o maior homem do mundo. Olha, vês como o meu bom Quincas Borba está olhando para mim? Não é ele, é Humanitas...
— Mas que Humanitas é esse?
— Humanitas é o principio. Há nas coisas todas certa substância recôndita e idêntica, um princípio único, universal, eterno, comum, indivisível e indestrutível, — ou, para usar a linguagem do grande Camões:
Uma verdade que nas coisas anda,
Que mora no visíbil e invisíbil.
Pois essa sustância ou verdade, esse princípio indestrutível é que é Humanitas. Assim lhe chamo, porque resume o universo, e o universo é o homem. Vais entendendo?
— Pouco; mas, ainda assim, como é que a morte de sua avó...
— Não há morte. O encontro de duas expansões, ou a expansão de duas formas, pode determinar a supressão de uma delas; mas, rigorosamente, não há morte, há vida, porque a supressão de uma é a condição da sobrevivência da outra, e a destruição não atinge o princípio universal e comum. Daí o carácter conservador e benéfico da guerra. Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As batatas apenas chegam para alimentar uma das tribos, que assim adquire forças para transpor a montanha e ir à outra vertente, onde há batatas em abundância; mas, se as duas tribos dividirem em paz as batatas do campo, não chegam a nutrir-se suficientemente e morrem de inanição. A paz, nesse caso, é a destruição; a guerra é a conservação. Uma das tribos extermina a outra e recolhe os despojos. Daí a alegria da vitória, os hinos, aclamações, recompensas públicas e todos os demais efeitos das ações bélicas. Se a guerra não fosse isso, tais demonstrações não chegariam a dar-se, pelo motivo real de que o homem só comemora e ama o que lhe é aprazível ou vantajoso, e pelo motivo racional de que nenhuma pessoa canoniza uma ação que virtualmente a destrói. Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas.
— Mas a opinião do exterminado?
— Não há exterminado. Desaparece o fenômeno; a substância é a mesma. Nunca viste ferver água? Hás de lembrar-te que as bolhas fazem-se e desfazem-se de contínuo, e tudo fica na mesma água. Os indivíduos são essas bolhas transitórias.
— Bem; a opinião da bolha...
— Bolha não tem opinião. Aparentemente, há nada mais contristador que uma dessas terríveis pestes que devastam um ponto do globo? E, todavia, esse suposto mal é um benefício, não só porque elimina os organismos fracos, incapazes de resistência, como porque dá lugar à observação, à descoberta da droga curativa. A higiene é filha de podridões seculares; devemo-la a milhões de corrompidos e infectos. Nada se perde, tudo é ganho. Repito, as bolhas ficam na água. Vês este livro? É Dom Quixote. Se eu destruir o meu exemplar, não elimino a obra, que continua eterna nos exemplares subsistentes e nas edições posteriores. Eterna e bela, belamente eterna, como este mundo divino e supradivino.
(ASSIS, Machado de. Quincas Borba. 18. ed. São
Paulo: Ática, 2011. p. 26-28.)