A partir da leitura do texto anterior, retirado do livro Angústia, de Graciliano Ramos, pode-se afirmar:
I. O primeiro parágrafo traz o transtorno emocional
do narrador em sua relação com o pai. A
brincadeira no poço não o ensinara a nadar, antes,
era uma tortura. O narrador explica que aprendeu
a nadar com os bichos.
II. O narrador é um homem atormentado, de ideias
agressivas, até mesmo homicidas, como se vê no
segundo parágrafo, o que se justifica pelo
tratamento recebido na infância.
III. Ao observar e acarinhar seus bichos de estimação
“as ideias ruins desaparecem. Marina
desaparece”. Esse trecho comprova que Marina é
a causa primeira de tudo o que atormenta Luís da
Silva.
IV. Apesar da relação difícil com o pai, as memórias
da infância do narrador são afáveis: a vida farta na
fazenda, os belos sermões do padre Inácio e as
lições inesquecíveis do mestre Antônio Justino.
V. A metáfora produzida com animais demonstra a
inferioridade com que Luís percebe a si e aos
outros.
Texto
Quando eu ainda não sabia nadar, meu pai me levava para ali, segurava-me um braço e atirava-me num lugar fundo. Puxava-me para cima e deixava-me respirar um instante. Em seguida repetia a tortura. Com o correr do tempo aprendi natação com os bichos e livrei-me disso.Mais tarde, na escola de mestre Antônio Justino, li a história de um pintor e de um cachorro que morria afogado. Pois para mim era no poço da Pedra que se dava o desastre. Sempre imaginei o pintor com a cara de Camilo Pereira da Silva, e o cachorro parecia-se comigo. Se eu pudesse fazer o mesmo com Marina, afogá-la devagar, trazendo-a para a superfície quando ela estivesse perdendo o fôlego, prolongar o suplício um dia inteiro... Debaixo da chuva, a mangueira do quintal está toda branca. O papagaio na cozinha bate as asas, sacudindo os salpicos que vêm da biqueira. Afago o pelo macio do meu gato mourisco, que dorme enroscado numa cadeira. As ideias ruins desaparecem. Marina desaparece. Ponho-me a vagabundear em pensamento pela vila distante, entro na igreja, escuto os sermões e os desaforos que padre Inácio pregava aos matutos: – “Arreda, povo, raça de cachorro com porco.” Sento-me no paredão do açude, ouço a cantilena dos sapos. Vejo a figura sinistra de seu Evaristo enforcado e os homens que iam para a cadeia amarrados de cordas. Lembro-me de um fato, de outro fato anterior ou posterior ao primeiro, mas os dois vêm juntos. E os tipos que evoco não têm relevo. Tudo empastado, confuso. Em seguida os dois acontecimentos se distanciam e entre eles nascem outros acontecimentos que vão crescendo até me darem sofrível noção de realidade. As feições das pessoas ganham nitidez. De toda aquela vida havia no meu espírito vagos indícios. Saíram do entorpecimento recordações que a imaginação completou. A escola era triste. Mas, durante as lições, em pé, de braços cruzados, escutando as emboanças de mestre Antônio Justino, eu via, no outro lado da rua, uma casa que tinha sempre a porta escancarada mostrando a sala, o corredor e o quintal cheio de roseiras. Moravam ali três mulheres velhas que pareciam formigas.
Gabarito comentado
Gabarito: Letra A – Somente as afirmativas I, II e V estão corretas.
Tema central: A questão exige interpretação sobre elementos fundamentais do romance psicológico modernista Angústia, de Graciliano Ramos, como o uso do fluxo de consciência, traços do narrador em primeira pessoa, memórias traumáticas, metáforas, análise de relações familiares e percepção de inferioridade.
Estratégia de resolução: Em provas de literatura, preste sempre atenção à análise dos sentimentos do narrador, à interpretação dos simbolismos (animais/personagens) e à diferença entre o que é memória real x idealização/memória afetiva.
Análise das alternativas corretas:
I. Correta. Mostra o transtorno emocional na relação entre o narrador e o pai: o "aprendizado" com o pai era, na verdade, uma experiência torturante, não educativa. O narrador refere que aprendeu a nadar com os bichos, reforçando o distanciamento afetivo familiar.
II. Correta. O trecho "Se eu pudesse fazer o mesmo com Marina..." manifesta ideias agressivas e quase homicidas do narrador, reflexo direto dos traumas da infância, típico do romance psicológico e base importante do exame psicológico dos personagens nesse tipo de prosa.
V. Correta. Metáforas envolvendo animais, como “formigas”, expressam a inferioridade percebida por Luís – recurso forte no romance de Graciliano, que utiliza a animalização para ressaltar questões de autoimagem negativa e alienação social.
Análise das incorretas:
III. Incorreta. A frase “as ideias ruins desaparecem. Marina desaparece.” mostra alívio momentâneo, não que Marina seja "a causa primeira" de todo sofrimento do narrador. A angústia é multifacetada, composta pelas relações familiares, sociais e afetivas, e não apenas por Marina.
IV. Incorreta. O texto evidencia memórias infantis negativas (sermões opressivos do padre, escola triste, repreensões), não trata-se de lembranças afáveis ou de uma infância feliz. Esse tipo de generalização é uma armadilha frequente em provas!
Dica essencial: Fuja de alternativas que usam expressões absolutas como “causa primeira” ou que distorcem o tom das lembranças do narrador. Atente-se para os detalhes do tom e do contexto do texto, pois provas de literatura adoram cobrar pequenas nuances!
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