Responda à questão a partir da interpretação da letra da canção Despejo na Favela, de Adoniran Barbosa.

Quando o oficial de justiça chegou

Lá na favela

E, contra seu desejo

Entregou pra seu Narciso

Um aviso, uma ordem de despejo

Assinada, seu doutor

Assim dizia a ‘pedição’

“Dentro de dez dias

Quero a favela vazia

E os barracos todos no chão”

É uma ordem superior

Ô, ô, ô, ô, ô!, meu senhor! (...)

Não tem nada não

Amanhã mesmo vou deixar meu barracão

Não tem nada não, seu doutor

Vou sair daqui

Pra não ouvir o ronco do trator

Pra mim não tem ‘probrema’

Em qualquer canto eu me arrumo

De qualquer jeito eu me ajeito

Depois, o que eu tenho é tão pouco

Minha mudança é tão pequena

Que cabe no bolso de trás

Mas essa gente aí, hein?

Como é que faz? (...)

Adaptado de Adoniran Barbosa. Despejo na Favela. (1969)

O processo de mudança social no espaço urbano descrito na letra da canção pode ser associado ao contexto dos anos 60 e 70, que se caracterizou pela

I. migração do nordeste para o sudeste e pela autoconstrução de casas em áreas periféricas das grandes cidades.

II. resistência das classes populares às tentativas de modernização habitacional, com a implantação de equipamentos urbanos adequados à melhoria de sua qualidade de vida.

III. segregação residencial no espaço urbano, com expulsão das classes populares de áreas centrais e sua realocação em áreas distantes do centro da cidade.

IV. produção de vazios urbanos para a valorização dos terrenos centrais pelo mercado imobiliário, impedindo que a população de baixa renda tivesse acesso à moradia digna.

Estão corretas apenas as afirmativas

Resposta correta: B — I e III

Tema central: A canção descreve despejo e remoção de moradia popular — fenômenos associados à urbanização acelerada nas décadas de 1960–70: grande migração inter-regional e reassentamento forçado em periferias, gerando segregação socioespacial.

Resumo teórico: Nos anos 60–70 o Brasil recebeu forte migração do Nordeste ao Sudeste e houve autoconstrução de moradias em periferias (fonte: IBGE; ver também Maricato, 1988). Políticas de "modernização" urbana frequentemente expulsaram populações das áreas centrais, realocando-as em zonas distantes — processo de segregação residencial (Milton Santos; Maricato).

Por que I e III estão corretas:

• I: A letra remete à favela e ao deslocamento de moradores, cenário típico da migração nordeste‑sudeste e da autoconstrução em periferia — condição estrutural da cidade brasileira nas décadas citadas.
• III: O “aviso… quero a favela vazia” indica expulsão das classes populares de áreas valorizadas, compatível com processos de segregação e realocação para zonas distantes do centro.

Por que II e IV estão incorretas:

• II: Afirma resistência popular à modernização com implantação de equipamentos urbanos. A canção revela expulsão e resignação, não uma recusa organizada à melhoria de equipamentos — portanto não descreve esse tipo de resistência coletiva.
• IV: Embora remoções possam favorecer valorização de terrenos centrais, a declaração "produção de vazios urbanos" como explicação principal é uma leitura mais específica (e mais usada em análises posteriores de gentrificação). No contexto dos anos 60–70, o destaque é migração e expulsão/separação social, não necessariamente a estratégia explícita de criar vazios para valorização imediata.

Dica de prova: Ao interpretar letras ou relatos, destaque termos-chave (despejo, favela vazia, trator) e conecte-os a políticas urbanas históricas. Preferir interpretações que estão diretamente sustentadas pelo texto antes de pressupor motivos econômicos complexos.

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