Questão 276fd514-c9
Prova:URCA 2019
Disciplina:Português
Assunto:Sintaxe, Orações subordinadas substantivas: Subjetivas, Objetivas diretas, Objetivas indiretas...

No fragmento: O português confessa sentir inveja de não ter duas línguas. O termo em destaque é sintaticamente classificado como:

Venenos de Deus, remédios do diabo: as incuráveis vidas de Vila Cacimba

– Noutro dia, você zangou-se comigo porque eu não o chamava pelo seu nome inteiro. Mas eu conheço o seu segredo.

– Não tenho segredos. Quem tem segredos são as mulheres.

– O seu nome é Tsotsi. Bartolomeu Tsotsi.

– Quem lhe contou isso? De certeza que foi o cabrão do Administrador.

Acabrunhado, Bartolomeu aceitou. Primeiro, foram os outros que lhe mudaram o nome, no baptismo. Depois, quando pôde voltar a ser ele mesmo, já tinha aprendido a ter vergonha de seu nome original. Ele se colonizara a si mesmo. E Tsotsi dera origem a Sozinho [Bartolomeu Sozinho].

– Eu sonhava ser mecânico, para consertar o mundo. Mas aqui para nós que ninguém nos ouve: um mecânico pode chamar-se Tsotsi?

– Ini nkabe dziua.

– Ah, o Doutor já anda a aprender a língua deles?

– Deles? Afinal, já não é a sua língua?

– Não sei, eu já nem sei...

O médico olha para o parapeito e estremece de ver tão frágil, tão transitório aquele que é seu único amigo em Vila Cacimba. O aro da janela surge como uma moldura da derradeira fotografia desse teimoso mecânico reformado.

– Posso fazer-lhe uma pergunta íntima?

– Depende – responde o português.

– O senhor já alguma vez desmaiou, Doutor?

– Sim.

– Eu gostava muito de desmaiar. Não queria morrer sem desmaiar.

O desmaio é uma morte preguiçosa, um falecimento de duração temporária. O português, que era um guarda-fronteira da Vida, que facilitasse uma escapadela dessas, uma breve perda de sentidos.

– Me receite um remédio para eu desmaiar.

O português ri-se. Também a ele lhe apetecia uma intermitente ilucidez, uma pausa na obrigação de existir.

– Uma marretada na cabeça é a única coisa que me ocorre.

Riem-se. Rir junto é melhor que falar a mesma língua. Ou talvez o riso seja uma língua O português confessa sentir inveja de não ter duas línguas. E poder usar uma delas para perder o passado. E outra para ludibriar o presente.

– A propósito de língua, sabe uma coisa, Doutor Sidonho? Eu já me estou a desmulatar.

E exibe a língua, olhos cerrados, boca escancarada. O médico franze o sobrolho, confrangido: a mucosa está coberta de fungos, formando uma placa esbranquiçada.

– Quais fungos? – reage Bartolomeu. – Eu estou é a ficar branco de língua, deve ser porque só falo português...

O riso degenera em tosse e o português se afasta, cauteloso, daquele foco contaminoso.

[...] 

O médico olha para o parapeito e estremece de ver tão frágil, tão transitório aquele que é seu único amigo em Vila Cacimba. O aro da janela surge como uma moldura da derradeira fotografia desse teimoso mecânico reformado.

– Posso fazer-lhe uma pergunta íntima?

– Depende – responde o português.

– O senhor já alguma vez desmaiou, Doutor?

– Sim.

– Eu gostava muito de desmaiar. Não queria morrer sem desmaiar.

O desmaio é uma morte preguiçosa, um falecimento de duração temporária. O português, que era um guarda-fronteira da Vida, que facilitasse uma escapadela dessas, uma breve perda de sentidos.

– Me receite um remédio para eu desmaiar.

O português ri-se. Também a ele lhe apetecia uma intermitente ilucidez, uma pausa na obrigação de existir.

– Uma marretada na cabeça é a única coisa que me ocorre.

Riem-se. Rir junto é melhor que falar a mesma língua. Ou talvez o riso seja uma língua anterior que fomos perdendo à medida que o mundo foi deixando de ser nosso. [...]

(COUTO, Mia. Venenos de Deus, remédios do diabo: as incuráveis vidas de Vila Cacimba. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, pp. 110-113)

A
Oração subordinada substantiva objetiva direta;
B
Oração subordinada substantiva objetiva indireta;
C
Oração subordinada substantiva completiva nominal;
D
Oração subordinada substantiva apositiva;
E
Oração subordinada substantiva subjetiva.

Gabarito comentado

P
Patricia Souza Monitor do Qconcursos

Tema central: A questão exige o reconhecimento e a classificação sintática de orações subordinadas substantivas, notadamente a oração subordinada substantiva completiva nominal. O aluno deve identificar não apenas o período composto, mas também a relação entre o substantivo e o termo complementar.

Justificativa da alternativa correta (C):

No trecho “O português confessa sentir inveja de não ter duas línguas, temos:

  • “inveja” é substantivo abstrato que necessita de complemento, vindo precedido de preposição “de” (regência nominal).
  • A oração “de não ter duas línguas” funciona como complemento nominal, completando o sentido do substantivo “inveja”.

Regra: Segundo Bechara e Cunha & Cintra, a oração subordinada substantiva completiva nominal é a que exerce a função de complemento nominal e se liga por preposição a um nome, adjetivo ou advérbio.

Portanto, a alternativa C está correta.

Análise das alternativas incorretas:

  • A) Oração subordinada substantiva objetiva direta: Incorreto – não há relação direta com verbo transitivo direto nem ausência de preposição.
  • B) Oração subordinada substantiva objetiva indireta: Incorreto – embora haja preposição, aqui não há complemento de verbo, e sim de substantivo.
  • D) Oração subordinada substantiva apositiva: Errado – oração apositiva geralmente aparece após dois-pontos ou vírgulas e amplia o sentido do termo. Exemplo: “Só queria uma coisa: que você voltasse.”
  • E) Oração subordinada substantiva subjetiva: Incorreto – a oração não exerce o papel de sujeito; está ligada a um substantivo, não ao verbo principal.

Estratégia de prova: Para esse tipo de questão, identifique se a oração subordinada complementa verbo ou nome e observe a presença de preposição. Complemento nominal sempre se liga a substantivo, adjetivo ou advérbio!

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