Para a formação do neologismo “vivimento”, o narrador recorreu
ao mesmo processo de formação de palavras observado em
Para responder à questão, leia o trecho do romance Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa.
Sei que estou contando errado, pelos altos.
Desemendo. Mas não é por disfarçar, não pense. De grave, na lei
do comum, disse ao senhor quase tudo. Não crio receio. O
senhor é homem de pensar o dos outros como sendo o seu,
não é criatura de pôr denúncia. E meus feitos já revogaram,
prescrição dita. Tenho meu respeito firmado. Agora, sou anta
empoçada, ninguém me caça. Da vida pouco me resta — só
o deo-gratias; e o troco. Bobeia. Na feira de São João Branco,
um homem andava falando: — “A pátria não pode nada com
a velhice...” Discordo. A pátria é dos velhos, mais. Era um
homem maluco, os dedos cheios de anéis velhos sem valor,
as pedras retiradas — ele dizia: aqueles todos anéis davam
até choque elétrico... Não. Eu estou contando assim, porque
é o meu jeito de contar. Guerras e batalhas? Isso é como jogo
de baralho, verte, reverte. Os revoltosos depois passaram
por aqui, soldados de Prestes, vinham de Goiás, reclamavam
posse de todos os animais de sela. Sei que deram fogo, na
barra do Urucuia, em São Romão, aonde aportou um vapor
do Governo, cheio de tropas da Bahia. Muitos anos adiante, um roceiro vai lavrar um pau, encontra balas cravadas. O
que vale, são outras coisas. A lembrança da vida da gente se
guarda em trechos diversos, cada um com seu signo e sentimento, uns com os outros acho que nem não misturam. Contar seguido, alinhavado, só mesmo sendo as coisas de rasa
importância. De cada vivimento que eu real tive, de alegria
forte ou pesar, cada vez daquela hoje vejo que eu era como
se fosse diferente pessoa. Sucedido desgovernado. Assim
eu acho, assim é que eu conto. [...] Tem horas antigas que
ficaram muito mais perto da gente do que outras, de recente
data. O senhor mesmo sabe.
(Grande sertão: veredas, 2015.)
Para responder à questão, leia o trecho do romance Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa. Sei que estou contando errado, pelos altos.
Desemendo. Mas não é por disfarçar, não pense. De grave, na lei do comum, disse ao senhor quase tudo. Não crio receio. O senhor é homem de pensar o dos outros como sendo o seu, não é criatura de pôr denúncia. E meus feitos já revogaram, prescrição dita. Tenho meu respeito firmado. Agora, sou anta empoçada, ninguém me caça. Da vida pouco me resta — só o deo-gratias; e o troco. Bobeia. Na feira de São João Branco, um homem andava falando: — “A pátria não pode nada com a velhice...” Discordo. A pátria é dos velhos, mais. Era um homem maluco, os dedos cheios de anéis velhos sem valor, as pedras retiradas — ele dizia: aqueles todos anéis davam até choque elétrico... Não. Eu estou contando assim, porque é o meu jeito de contar. Guerras e batalhas? Isso é como jogo de baralho, verte, reverte. Os revoltosos depois passaram por aqui, soldados de Prestes, vinham de Goiás, reclamavam posse de todos os animais de sela. Sei que deram fogo, na barra do Urucuia, em São Romão, aonde aportou um vapor do Governo, cheio de tropas da Bahia. Muitos anos adiante, um roceiro vai lavrar um pau, encontra balas cravadas. O que vale, são outras coisas. A lembrança da vida da gente se guarda em trechos diversos, cada um com seu signo e sentimento, uns com os outros acho que nem não misturam. Contar seguido, alinhavado, só mesmo sendo as coisas de rasa importância. De cada vivimento que eu real tive, de alegria forte ou pesar, cada vez daquela hoje vejo que eu era como se fosse diferente pessoa. Sucedido desgovernado. Assim eu acho, assim é que eu conto. [...] Tem horas antigas que ficaram muito mais perto da gente do que outras, de recente data. O senhor mesmo sabe.
(Grande sertão: veredas, 2015.)