Em “... quando chega à sua própria casa e vai abrir a porta.”, a crase
Texto 1
A CHAVE
Ela abre mais do que uma porta, inaugura um novo tempo
Certos objetos dão a exata medida de um relacionamento. A chave, por exemplo. Embora caiba no bolso, ela tem
importância gigantesca na vida dos casais. O momento em que você oferece a chave da sua casa é aquele em que
você renuncia à sua privacidade, por amor. Quando pede a chave de volta - ou troca a fechadura da porta - está
retomando aquilo que havia oferecido, por que o amor acabou.
O primeiro momento é de exaltação e esperança. O segundo é sombrio.
Quem já passou pela experiência sabe como é gostoso carregar no bolso - ou na bolsa - aquela cópia de cinco
reais que vai dar início à nova vida. Carregada de expectativas e temores, a chave será entregue de forma tímida e
casual, como se não fosse importante, ou pode vir embalada em vinho e flores, pondo violinos na ocasião. Qualquer
que seja a cena, não cabe engano: foi dado um passo gigantesco. Alguém pôs na mão de outro alguém um totem de
confiança.
Não interessa se você dá ou ganha a chave, a sensação é a mesma. Ou quase.
Quem a recebe se enche de orgulho. No auge da paixão, e a pessoa que provoca seus melhores sentimentos (a
pessoa mais legal do mundo, evidentemente) põe no seu chaveiro a cópia discreta que abre a casa dela. Você só
nota mais tarde, quando chega à sua própria casa e vai abrir a porta. Primeiro, estranha a cor e o formato da chave
nova, mas logo entende a delicadeza da situação. Percebe, com um sorriso nos lábios, que suas emoções são
compartilhadas. Compreende que está sendo convidado a participar de outra vida. Sente, com enorme alívio, que foi
aceito, e que uma nova etapa tem início, mais intensa e mais profunda que anterior. Aquela chave abre mais do que
uma porta. Abre um novo tempo.
O momento de entregar a chave sempre foi para mim o momento de máximo otimismo.
[...]
Você tem certeza de que a outra pessoa ficará feliz e comovida, mas ao mesmo tempo teme, secretamente, ser
recusado. Então vê nos olhos dela a alegria que havia antecipado e desejado. O rosto querido se abre num sorriso
sem reservas, que você não ganharia se tivesse lhe dado uma joia ou uma aliança. (Uma não vale nada; para a outra
ela não está pronta). Por isto ela esperava, e retribui com um olhar cheio de amor. Esse é um instante que viverá na
sua alma para sempre. Nele, tudo parece perfeito. É como estar no início de um sonho em que nada pode dar
errado. A gente se sente adulto e moderno, herdeiro dos melhores sonhos da adolescência, parte da espécie feliz
dos adultos livres que são amados e correspondidos - os que acharam uma alma gêmea, aqueles que jamais
estarão sozinhos.
Se as chaves de despedida parecem a pior coisa do mundo, não são.
[...]
A gente sabe que essas coisas, às vezes, são efêmeras, mas é tão bonito.
Pode ser que dentro de três meses ou três anos a chave inútil e esquecida seja encontrada no bolso de uma
calça ou no fundo de uma bolsa. Ela já não abrirá porta alguma exceto a da memória, que poderá ser boa ou ruim. O
mais provável é que o tato e a visão daquela ferramenta sem propósito provoquem um sorriso agridoce, grisalho de
nostalgia. Essa chave do adeus não dói, ela constata e encerra.
Nestes tempos de arrogante independência, em que a solidão virou estandarte exibido como prova de força, a
doação de chaves ganhou uma solenidade inesperada. Com ela, homens e mulheres sinalizam a disposição de
renunciar a um pedaço da sua sagrada liberdade pessoal. Sugerem ao outro que precisam dele e o desejam
próximo. Cedem o seu terreno, correm o risco. É uma forma moderna e eloquente de dizer “eu te amo”. E, assim
como a outra, dispensa “eu também”. Oferece a chave quem está pronto, aceita a chave quem a deseja, reciproca,
oferecendo a sua, quem sente que é o caso, verdadeiramente. Nada mais triste que uma chave falsa. Ela parece
abrir uma esperança, mas abre somente uma ilusão.
Adaptado de http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/ivan-martins/noticia/2015/04/chave.html
Gabarito comentado
Tema central: O foco da questão é o uso da crase na Língua Portuguesa, especificamente diante de pronomes possessivos femininos no singular.
Regra gramatical: Crase é a fusão da preposição "a" com o artigo feminino "a", formando "à". O uso é facultativo antes de pronomes possessivos femininos no singular, como minha, tua, sua, nossa, vossa, acompanhando substantivo feminino. Assim, tanto “chegar a sua casa” quanto “chegar à sua casa” são aceitos pela norma-padrão.
Exemplo canônico:
• Enviei um presente a minha irmã.
• Enviei um presente à minha irmã.
Ambas as construções estão corretas, pois o artigo antes do possessivo é opcional. Como destacam Bechara (“Gramática Normativa da Língua Portuguesa”) e Cunha & Cintra (“Nova Gramática do Português Contemporâneo”), a escolha por usar ou não a crase cabe ao contexto ou à preferência estilística do autor.
Aplicação ao trecho: Na frase “quando chega à sua própria casa e vai abrir a porta.”, o uso da crase é facultativo: a preposição “a” exigida por “chegar” pode ou não se unir ao artigo “a”, que acompanha o pronome “sua”.
Por que as alternativas estão corretas ou incorretas?
A) é facultativa. Certa. Conforme as gramáticas e manuais, a crase antes de pronomes possessivos femininos no singular acompanhando substantivo é opcional.
B) é obrigatória. Errada. Não há obrigatoriedade; trata-se justamente de um caso de uso facultativo.
C) foi utilizada incorretamente. Errada. Não está incorreta, pois a presença (ou ausência) da crase não infringe a norma.
D) foi utilizada para atender a regras de concordância. Errada. Crase relaciona-se com regência e não com concordância.
E) foi utilizada por causa da presença da palavra feminina “porta”. Errada. A crase refere-se ao termo “sua própria casa”, não a “porta”.
Pegadinha: Muitos candidatos associam a crase automaticamente a qualquer substantivo feminino. Entretanto, é necessário analisar a presença do artigo e a regência do verbo, além dos casos específicos de facultatividade – como ocorre com pronomes possessivos femininos.
Para evitar erros, sempre questione: “O artigo está realmente implícito? O uso é obrigatório?” Segundo os principais autores, o contexto e a intenção comunicativa autorizam as duas formas.
Portanto, a alternativa correta é a letra A.
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