Qualquer que tivesse sido o seu trabalho anterior,
ele o abandonara, mudara de profissão e passara
pesadamente a ensinar no curso primário: era tudo o que
sabíamos dele.
O professor era gordo, grande e silencioso, de ombros
contraídos. Em vez de nó na garganta, tinha ombros
contraídos. Usava paletó curto demais, óculos sem aro,
com um fio de ouro encimando o nariz grosso e romano.
E eu era atraída por ele. Não amor, mas atraída pelo seu
silêncio e pela controlada impaciência que ele tinha em
nos ensinar e que, ofendida, eu adivinhara. Passei a me
comportar mal na sala. Falava muito alto, mexia com os
colegas, interrompia a lição com piadinhas, até que ele
dizia, vermelho:
— Cale-se ou expulso a senhora da sala.
Ferida, triunfante, eu respondia em desafio: pode
me mandar! Ele não mandava, senão estaria me
obedecendo. Mas eu o exasperava tanto que se tornara
doloroso para mim ser objeto do ódio daquele homem que
de certo modo eu amava. Não o amava como a mulher
que eu seria um dia, amava-o como uma criança que
tenta desastradamente proteger um adulto, com a cólera
de quem ainda não foi covarde e vê um homem forte de
ombros tão curvos.
LISPECTOR, C. Os desastres de Sofia. In: A legião estrangeira. São Paulo: Ática, 1997.
Entre os elementos constitutivos dos gêneros está a sua
própria estrutura composicional, que pode apresentar
um ou mais tipos textuais, considerando-se o objetivo
do autor. Nesse fragmento, a sequência textual que
caracteriza o gênero conto é a