TEXTO 7
O mistério dos hippies desaparecidos
Ide ao Mercadão da Travessa do Carmo. Que
vereis? O alegre, o pitoresco, o colorido. Admirai a
excelente organização: cada artesão em seu quadrado,
exibindo belos trabalhos.
Mas... Nada vos chama a atenção?
Não? Neste caso, pergunto-vos: onde estão
os hippies da Praça Dom Feliciano? Isso mesmo,
aqueles que ficavam na frente da Santa Casa. Onde
estão? Não sabeis?
O homem de cinza sabe.
O homem de cinza vinha todos os dias à
Praça Dom Feliciano. Ficava muito tempo olhando
os hippies, que não lhe davam maior atenção. O homem,
ao contrário, parecia muito interessado neles:
examinava os objetos expostos, indagava por preços,
por detalhes da manufatura. E anotava tudo numa caderneta
de capa preta. Um dia perguntou aos hippies
onde moravam. Por aí, respondeu um rapaz. Numa comuna? — perguntou o homem. Não, não era em
nenhuma comuna; na realidade, estavam ao relento.
O homem então disse que eles deveriam morar juntos
numa comuna. Ficaria mais fácil, mais prático.
O rapaz concordou. Não estava com muita vontade
de falar; contudo, acrescentou, depois de uma pausa,
que o problema era encontrar o lugar para a comuna.
Não é problema, disse o homem; eu tenho
uma chácara lá na Vila Nova, com uma boa casa, gramados,
árvores frutíferas. Se vocês quiserem, podem
ficar lá. No amor? — perguntou o rapaz.
— No amor, bicho — respondeu o homem,
rindo. Só quero que vocês tomem conta da casa. Os
hippies confabularam entre si e resolveram aceitar. O
homem levou-os — eram doze, entre rapazes e moças
— à chácara, numa camioneta Veraneio. Deixou-os lá.
Durante algum tempo não apareceu. Mas,
num domingo, deu as caras. Conversou com os jovens
sobre a chácara, contou histórias interessantes.
Finalmente, pediu para ver o que tinham feito de artesanato.
Examinou as peças atentamente e disse:
— Posso dar uma sugestão?
Eles concordaram. Como não haveriam de
concordar? Mas foi assim que começou. O homem
organizou-os em equipes: a equipe dos cintos, a equipe
das pulseiras, a equipe das bolsas.
Ensinou-os a trabalhar pelo sistema de linha
de montagem; racionalizou cada tarefa, cada atividade.
Disciplinou a vida deles, também. Centralizou
todo o consumo de tóxicos. Fornecia drogas
mediante vales, resgatados ao fim do mês, conforme
a produção. Permitiu que se vestissem como desejavam,
mas era rígido na escala de trabalho. Seis
dias por semana, folga às quartas — nos domingos
tinham de trabalhar. Nestes dias, o homem de cinza
admitia visitantes na chácara, mediante o pagamento
de ingressos. Um guia especialmente treinado acompanhava-os,
explicando todos os detalhes acerca dos
hippies, estes seres curiosos.
O homem de cinza já era muito rico, mas
agora está multimilionário. É que organizou uma firma,
e exporta para os Estados Unidos e para o Mercado
Comum Europeu cintos, pulseiras e bolsas.
Parece que, para esses artigos, não há sobretaxa
de exportações. Escreveu um livro — Minha
Vida Entre os Hippies — que tem se constituído em
autêntico êxito de livraria; uma adaptação para a televisão,
sob forma de novela, está quase pronta. E
quem ouviu a trilha sonora, garante que é um estouro.
Tem apenas um temor, este homem. É que
um dos hippies, de uma hora para outra, cortou o cabelo,
passou a tomar banho — e usa agora um decente
terno cinza. Por enquanto ainda não se manifestou;
mas trata-se — o homem de cinza está convencido
disto — de um autêntico contestador.
(SCLIAR, Moacyr. Melhores contos. São Paulo: Global, 2003.
p. 130-132.)