A singularidade do olhar sobre o outro, descrita no
Texto 3, pode remeter-nos às experiências da globalização, iniciadas na Europa no final do século XX. Essas
experiências permanecem na atualidade com o processo
de desterritorialização e o deslocamento em massa, que
têm despertado os fantasmas do nacionalismo, do etnocentrismo
e do racismo. Supostamente desaparecidos,
tais fantasmas têm retornado com força total em defesa
de sociedades etnicamente puras. O resultado vem sendo
uma crise profunda de identidade somada a uma crise
financeira. Sobre esse cenário, assinale a alternativa correta:
TEXTO 3
O outro
Ele me olhou como se estivesse descobrindo o mundo. Me olhou e reolhou em fração de segundo. Só vi isso porque estava olhando-o na mesma sintonia. A singularização do olhar. Tentei disfarçar virando o pescoço para a direita e para a esquerda, como se estivesse fazendo um exercício, e numa dessas viradas olhei rapidamente para ele no volante. Ele me olhava e volveu rapidamente os olhos, fingindo estar tirando um cisco da camisa. Era um ser de meia idade, os cabelos com alguns fios grisalhos, postura de gente séria, camisa branca, um cidadão comum que jamais flertaria com outra pessoa no trânsito. E assim, enquanto o semáforo estava no vermelho para nós, ficou esse jogo de olhares que não queriam se fixar, mas observar o outro espécime que nada tinha de diferente e ao mesmo tempo tinha tudo de diferente. Ele era o outro e isso era tudo. É como se, na igualdade de milhares de humanos, de repente, o ser se redescobrisse num outro espécime. Quando o semáforo ficou verde, nós nos olhamos e acionamos os motores.
(GONÇALVES, Aguinaldo. Das estampas. São Paulo: Nankin, 2013. p. 130.)
O outro
Ele me olhou como se estivesse descobrindo o mundo. Me olhou e reolhou em fração de segundo. Só vi isso porque estava olhando-o na mesma sintonia. A singularização do olhar. Tentei disfarçar virando o pescoço para a direita e para a esquerda, como se estivesse fazendo um exercício, e numa dessas viradas olhei rapidamente para ele no volante. Ele me olhava e volveu rapidamente os olhos, fingindo estar tirando um cisco da camisa. Era um ser de meia idade, os cabelos com alguns fios grisalhos, postura de gente séria, camisa branca, um cidadão comum que jamais flertaria com outra pessoa no trânsito. E assim, enquanto o semáforo estava no vermelho para nós, ficou esse jogo de olhares que não queriam se fixar, mas observar o outro espécime que nada tinha de diferente e ao mesmo tempo tinha tudo de diferente. Ele era o outro e isso era tudo. É como se, na igualdade de milhares de humanos, de repente, o ser se redescobrisse num outro espécime. Quando o semáforo ficou verde, nós nos olhamos e acionamos os motores.
(GONÇALVES, Aguinaldo. Das estampas. São Paulo: Nankin, 2013. p. 130.)
Gabarito comentado
Resposta correta: Alternativa B
Tema central: o enunciado relaciona globalização, deslocamentos populacionais e reação identitária (nacionalismo, etnocentrismo, racismo). É preciso entender como migrações e circulação de pessoas afetam identidades nacionais e alimentam forças políticas xenófobas.
Resumo teórico: A globalização aumenta fluxos transnacionais (pessoas, informação, capital), gerando desterritorialização e tensões identitárias. Movimentos migratórios podem provocar debates sobre integração, segurança e laços culturais; em contextos de crise econômica ou insegurança cultural, cresce apoio a partidos de direita populista (ex.: Frente Nacional na França). Fontes úteis: relatórios da UNHCR, dados do Eurostat e análises do Pew Research Center sobre atitudes em relação à imigração.
Justificativa da alternativa B: A França tem experimentado debates intensos sobre imigração muçulmana, laicidade e integração (tema recorrente desde as décadas finais do século XX). Esse clima alimentou o crescimento de partidos e movimentos de direita xenófoba e islamófoba, como evidenciado pelo sucesso eleitoral do Rassemblement National e por pesquisas de opinião sobre o medo da "islamização". Assim, a alternativa B descreve corretamente esse vínculo entre presença muçulmana e ressurgimento da direita xenófoba.
Análise das alternativas incorretas:
A) Errada — Itália e Grécia receberam refugiados do Afeganistão, Síria e também migrantes albaneses nos anos 1990, mas a afirmação generaliza: nem sempre foram “receptivos” por tradição; houve períodos de tensão e controles migratórios.
C) Errada — A Alemanha recebeu muitos turcos (histórico de trabalhadores convidados) e balcânicos, mas a ideia de maior tolerância e garantia de emprego é simplista. Integração tem sido desigual, com desafios sociais e políticas de restrição migratória em certos períodos.
D) Errada — Nos países do Leste Europeu e na Rússia há revanchismo territorial e políticas expansionistas (ex.: anexação da Crimeia em 2014), mas não se trata de anexações "pacificamente" reivindicadas; há uso de força, desinformação e pressão política.
Dica de interpretação: procure palavras-chave: “receptivos”, “garantindo”, “pacificamente” são absolutos que costumam indicar erros; já “tem propiciado” (B) admite complexidade e causalidade social, tornando-a mais plausível.
Fontes recomendadas: relatórios UNHCR, dados Eurostat, análises do Pew Research Center e estudos sobre populismo europeu (ex.: Cas Mudde).
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