Variação linguística: regional, histórica, social e situacional
Publicado em: 07/07/202210% das questões de Linguagens e Códigos e suas tecnologias do Enem são sobre variação linguística. Nessa prova, para além do conteúdo gramatical, o estudante é desafiado quanto a sua capacidade de entender a língua como um fato social e perceber as suas diferentes manifestações e influências em sua comunidade.
Nesse contexto, a variação que uma língua é capaz de sofrer acabou se tornando o fenômeno frequentemente presente em suas questões. Por essa razão, convém entender bem esse conteúdo, se o objetivo é fazer uma boa pontuação nessa área. Esse resumo visa explicar os principais processos de variabilidade da língua, apresentando conceitos, tipologias e exemplificações.
O que é variação linguística
A língua é um fenômeno social, que, de acordo com determinados contextos, pode sofrer alterações. Nesse sentido, a variação linguística pode ser definida como um processo natural determinado pela região, história, sociedade e por situações, como podemos conferir abaixo:
Variação linguística regional
Também conhecida como variação diatópica, a variação regional estuda a diferença entre as falas dos habitantes de diferentes regiões do país, estados e cidades.
Os falantes do Estado do Ceará, por exemplo, ao desconhecer algo e se espantar com qualquer situação, costumam usar a expressão “Que diabo é isso?”. Em outros lugares do país, o modo de dizer diante de uma mesma situação pode ser diferente. Os mineiros usam “Que trem é esse?” no lugar da expressão tipicamente cearense.
Outro exemplo desse tipo de variação está nas diferentes definições de um esporte coletivo, em que os jogadores de duas equipes tentam acertar os oponentes com uma ou mais bolas. Em Pernambuco, Alagoas, Maranhão, Pernambuco, Rio de Janeiro e Sergipe, esse jogo é conhecido como “Queimada”. No Ceará, o mesmo jogo é chamado de “Carimba”; em Santa Catarina, “Mata-mata” ou “Mata-soldado”.
Variação linguística histórica
Conhecida também como variação diacrônica, a variação histórica compreende as mudanças da língua no decorrer do tempo. A famosa expressão “Vamos em boa hora”, que se transformou em “vambora” com o passar dos anos, ilustra bem esse fenômeno.
Outro exemplo é a própria grafia da palavra “farmárcia”, que antigamente se escrevia com Ph: “pharmácia”.
Variação linguística social
Também conhecida como variação diastrática, a variação social estuda as mudanças da língua à nível fonológico e morfossintático.
Por exemplo, alguns grupos usam em suas falas erros de concordância, como “100 real”, ou pronunciam “probrema” em vez de “problema”. Isso ocorre porque o falante pode não ter o grau de escolaridade suficiente para compreender seus equívocos. A variação diastrática explica esses processos a fim de evitar situações de preconceito linguístico.
Variação linguística situacional
Conhecida como variação diafásica, essa variação estuda as mudanças da língua a partir do contexto comunicativo. Nesse sentido, há situações em que usar o registro informal é mais adequado que o formal.
Por exemplo, é conveniente que, numa reunião com o Presidente da República, evite-se o uso de gírias. Assim como numa reunião familiar não é necessário ser prolixo.
O texto “E aí, galera”, de Luis Fernando Veríssimo, é um bom exemplo de como ocorre a variação situacional ao colocar um jogador de futebol sendo extremamente formal numa situação de entrevista. Nesse caso, a língua também varia de acordo com o grau de adequação da linguagem.
Linguagem formal x Linguagem informal
Durante muito tempo, o estudo a linguagem verbal, seja oral ou escrita, foi norteado pela noção de “certo” ou “errado”. Isso ocorreu porque, apesar de haver quatro tipos de gramática (normativa, descritiva, histórica e comparativa), esta primeira, que sistematiza as regras responsáveis pela padronização do idioma, passou a ser (e ainda é) a mais estudada. No entanto, ao se concentrar apenas na norma, alguns aspectos importantes são deixados de lado, como a situação comunicativa e o perfil dos interlocutores.
Sendo a língua um fato social, as escolas precisam também mostrar ao aluno a importância do contexto. Logo, a noção de “certo” e “errado” precisou ser revista e hoje se prioriza também o “grau de adequação da linguagem”. Não é que a gramática normativa perdeu espaço, como equivocadamente muitos falam, mas hoje há uma melhor percepção de que a comunicação possui outros aspectos extremamente relevantes, além da norma.
Dessa forma, saber diferenciar a linguagem formal da informal e quando se deve usar cada uma delas passou a ser um dos pilares da prova de linguagens, conteúdo sempre presente em provas. Veja a questão a seguir, retirada do Enem 2013:
(ENEM 2013)
Até quando? Não adianta olhar pro céu Com muita fé e pouca luta Levanta aí que você tem muito protesto pra fazer E muita greve, você pode, você deve, pode crer Não adianta olhar pro chão Virar a cara pra não ver Se liga aí que te botaram numa cruz e só porque Jesus Sofreu não quer dizer que você tenha que sofrer!
GABRIEL, O PENSADOR. Seja você mesmo (mas não seja sempre o mesmo).
Rio de Janeiro: Sony Music, 2001 (fragmento).
As escolhas linguísticas feitas pelo autor conferem ao texto
a) caráter atual, pelo uso de linguagem própria da internet.
b) cunho apelativo, pela predominância de imagens metafóricas.
c) tom de diálogo, pela recorrência de gírias.
d) espontaneidade, pelo uso da linguagem coloquial.
e) originalidade, pela concisão da linguagem.
Preconceito Linguístico
Outro conteúdo presente nas provas do Enem é a relação entre variação linguística e o preconceito linguístico.
Segundo o professor, linguista e filólogo Marcos Bagno, a prática do preconceito linguístico consiste em ter uma atitude de repulsa, reprovação ou desrespeito com as variações linguísticas de menor prestígio social. Ou seja: ao recriminar o falante de uma região por seu sotaque, por suas escolhas de vocabulário e/ou desvios sintáticos, o sujeito age de modo preconceituoso, pois desdenha das razões pelas quais o falante tem aquele modo de se manifestar.
Com base na legislação nos documentos da educação brasileira, é necessário ao aluno ter acesso a esse tipo de discussão, pois estudar essa prática tanto inibe situações de discriminação, quanto auxilia na construção de uma sociedade livre de preconceitos. No entanto, ao analisar as últimas provas do Exame Nacional do Ensino Médio, nota-se que esse tema ainda é pouco explorado nas provas.
Considerações finais
É preciso reconhecer o dinamismo da língua portuguesa para compreender o nosso próprio desenvolvimento humano e, consequentemente, o social. Para isso, deve-se romper com a ideia de que há apenas uma forma de se falar corretamente, e assumir a pluralidade e a diversidade cultural existentes em nosso país. Assim, compreender o que ensina a sociolinguística variacionista, ter empatia pelo próximo e acolher que, mesmo com alguns desvios gramaticais, a mensagem está sendo entendida, nos torna pessoas melhores e poliglotas de nosso próprio idioma.